Quarenta anos depois (por Luiz Paulo Vellozo Lucas)
É curioso que nos quarenta anos da redemocratização, o Governo Lula 3 ameace
tomar medidas drásticas contra a carestia dos alimentos
O Bloco Carnavalesco Simpatia é quase Amor de Ipanema marcou um desfile especial
para o dia 15 de março de 1985, o dia da posse de Tancredo Neves na Presidência
da República. Quando soubemos que o empossado seria José Sarney houve uma certa
confusão porque alguns queriam cancelar o desfile. Prevaleceu a ideia de que
nossa homenagem era `a chegada da democracia. O Bloco foi pra rua.
Principalmente depois das eleições de 1974, quando O MDB deu uma surra na Arena
nas eleições parlamentares, acirrou-se o debate sobre qual deveria ser
estratégia e as alianças necessárias para derrotar o regime militar. Os adeptos
da luta armada, já derrotados militarmente, argumentavam ser ingenuidade
acreditar que os militares poderiam ser derrotados dentro das regras do jogo
eleitoral elaboradas por eles próprios. Assim buscavam pureza ideológica e
poucas alianças políticas, reproduzindo o mesmo sectarismo dos tempos da luta
armada. Faziam campanha pelo voto nulo, desprezavam a estratégia da frente
ampla, o MDB, os liberais, o empresariado nacional e toda a chamada “oposição
burguesa”.
A bomba que explodiu no colo do sargento Guilherme do Rosário mudou o roteiro.
Ele estava no banco do carona num automóvel Puma no estacionamento do Riocentro
na noite do dia 30 de abril de 1981, onde acontecia o Show Primeiro de Maio, com
a presença de milhares de jovens e toda a nata da MPB. Para azar dos militares
terroristas, foi Andréa Neves (militante do movimento estudantil e neta de
Tancredo) quem chegou primeiro ao local depois da explosão, junto com um
repórter do JB. Não dava pra esconder o infame atentado mal sucedido. O Jornal
do Brasil estampou a foto do automóvel destruído com o cadáver despedaçado do
sargento em sua primeira pagina, para desespero dos censores do regime militar
que tentaram em vão impedir a publicação.
O inquérito policial militar presidido pelo Coronel Job Lorena de Sant`ana foi
uma farsa grotesca, passada na televisão aberta, destinada a transformar os
militares terroristas em heróis e jogar a culpa numa inexistente esquerda
armada. A opção pela mentira desavergonhada levou o General Golbery do Couto e
Silva, ministro Chefe da Casa Civil e ideólogo do regime militar, a pedir
demissão e romper com o governo. O Presidente João Figueiredo preferiu bancar a
farsa e proteger o terror. Estes acontecimentos detonaram uma crise política
aguda no regime militar que teve seu desfecho na eleição de Tancredo Neves no
Colégio Eleitoral em janeiro de 1985.
Na sequência da divisão das Forças Armadas e da desmoralização pública do regime
militar, a base política do governo entrou em colapso. Parte da Arena criou o
Grupo Participação que deu origem ao PFL, que se aliou ao PMDB de Ulisses
Guimarães e Tancredo Neves. Paulo Maluf, Governador de São Paulo, enfrenta Mario
Andreazza, favorito dos militares, na convenção da Arena e torna-se o candidato
oficial. Tancredo Neves ganhou a presidência no colégio eleitoral e Figueiredo,
que se recusou a passar a faixa a Sarney, pediu que o esquecessem.
Como se sabe o PT não apoiou a chapa Tancredo/Sarney e expulsou os três
deputados que votaram na chapa da oposição : Bete Mendes, Airton Soares e José
Eudes. Não é sem razão que os quarenta anos do quinze de março de 1985 será
solenemente ignorado pelo Governo Lula. Os democratas que votaram nele em 2022
para se livrar de Bolsonaro sabem disso e não se surpreenderam quando ele, neste
seu terceiro mandato, jogou `as favas seu compromisso de fazer um governo de
frente ampla.
É curioso que nos quarenta anos da redemocratização, o Governo Lula 3 ameace
tomar medidas drásticas contra a carestia dos alimentos. As lições dos
fracassados planos de estabilização com congelamento de preços estão bem vivas
na memória coletiva do Brasil, desde o Plano Cruzado feito para dar popularidade
ao Governo Sarney.
Como nos ensina a filosofia desde Sócrates, a ingenuidade e a inocência podem
ser redescobertas, cultivadas e até serem reestabelecidas mas, no entanto, não
é possível recuperar a ignorância. Uma vez dissipada pelo conhecimento e pela
experiência, a ignorância não pode ser recuperada. Podemos até fingir não saber
mas o saber já nos transformou.
O Brasil sabe: Tabelar preços não dá certo. A democracia já deu certo !
*Engenheiro, Mestre em Desenvolvimento Sustentável, ex-prefeito de Vitória-ES,
membro da ABQ-Academia Brasileira da Qualidade e um dos fundadores do Bloco
Simpatia é quase Amor de Ipanema.