Relatório aponta histórico de reparos em hélices do avião que caiu em Piracicaba em 2021, deixando 7 mortos

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Avião que caiu em Piracicaba e deixou 7 mortos em 2021 tinha histórico de
reparos em hélices, aponta relatório do Cenipa

Segundo apuração, piloto teria feito comentários negativos sobre diversas
“panes”. No entanto, não foram identificados indícios de falha mecânica no dia
do acidente e relatório cita supostos erros de operação.

Área onde avião caiu, nas proximidades da Fatec, em Piracicaba — Foto: Drone César Cocco

O avião que caiu em Piracicaba (SP), em 14 de setembro de 2021, deixando sete pessoas mortas, tinha histórico de reparos em suas hélices. A situação chegou a gerar insatisfações do proprietário e do piloto, que teria feito comentários negativos sobre diversas “panes”. Além disso, no voo do acidente, um aumento de rotação de uma das hélices chamou a atenção dos pilotos.

As informações são de relatório final sobre o acidente, divulgado nesta semana pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), que, no entanto, não identificou falhas mecânicas no voo do acidente e elencou supostos erros de operação.

Segundo o documento, a aeronave B200GT foi adquirida em 2019 e havia registrado cerca de 268 horas totais até o acidente. Cerca de um ano depois, em uma inspeção de 50 horas, foi registrado um aumento anormal de rotações por minuto (RPM) em uma das funções de operação das hélices, o que motivou as primeiras manutenções nelas. Pouco mais de três meses antes do acidente, a hélice esquerda precisou ser removida e enviada para reparo, devido à constatação de que havia dois parafusos de lubrificação dela quebrados. O documento destaca que se tratou de um reparo com custo elevado.

A apuração do centro aeronáutico também cita insatisfação com o histórico de manutenções. “Ainda que se tratasse de uma aeronave com pouco tempo de uso, os relatos obtidos pela Comissão de Investigação davam conta de que tanto o proprietário quanto o PIC estavam insatisfeitos com a despachabilidade [disponibilidade] da aeronave, sendo que este último teria chegado a fazer comentários negativos acerca das diversas ‘panes’ e sobre os governadores [dispositivos de controle]”, acrescenta o relatório.

O relatório final observa que na última manutenção da aeronave antes da queda, a previsão era de liberação dela no dia 15 de setembro de 2021. “Mas o proprietário tentou adiantá-la para atender a compromissos, chegando a receber orçamento de horas extras da OM para esse fim. Contudo, os custos adicionais não foram aceitos, acertando-se que a conclusão dos serviços se daria na segunda-feira pela manhã, dois dias antes do previsto”, detalha.

Segundo o Cenipa, não é possível relacionar o excesso de RPM percebido no voo do acidente a um ajuste realizado para obtenção de maior rotação na aeronave durante manutenção. No entanto, a comissão de investigação constatou que os ajustes necessários eram trabalhosos e exigiam diversos giros de motores. “O ‘adiantamento’ proposto [para entrega da aeronave], por essa razão, poderia ter impedido que os parâmetros fossem ajustados com o elevado grau de apuro que a tarefa requeria, contribuindo para que o limite de 2.000 RPM pudesse ser ultrapassado em uma situação de máximo esforço, com PMD [peso máximo de decolagem] acima do permitido pelo fabricante, como ocorreu na decolagem do acidente”, aponta.

No voo do acidente, o avião carregava 623 quilos a mais que o limite estipulado. Avião caiu em Piracicaba (SP) na manhã de terça-feira (14) — Foto: PAULO RICARDO/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

O documento destaca que a comissão de investigação teve acesso aos registros de testes de ambos os motores, realizados desde a entrega, ainda novos, e todos se apresentavam dentro dos parâmetros. “Dentre as tarefas de manutenção conduzidas entre 23AGO2021 e 13SET2021 [véspera do acidente], registrou-se que os limites de RPM de ambas as hélices foram ajustados, com o intuito de corrigir discrepâncias percebidas durante o giro dos motores”, acrescenta.

Com base nas análises do relatório, o professor de engenharia aeronáutica James Waterhouse, da Universidade de São Paulo (USP), também aponta que não foram identificados indícios de falha mecânica. “Todos os sistemas foram retirados dos destroços e foram analisados em bancada e nenhum dos sistemas foi constatado defeito. Imaginava-se nesse acidente que havia tido um problema mecânico e esse problema mecânico, de acordo com o relatório, ele não pôde ser constatado em nenhum dos ensaios. Não existe nenhuma evidência de que algum dos componentes estivesse com defeito”, completa. Imagens mostram desespero de pessoas ao ver avião cair em Piracicaba

Na aeronave estavam o empresário Celso Silveira Mello Filho e sua família, além de piloto e copiloto. Ela decolou do Aeródromo de Piracicaba com destino ao Aeródromo Fazenda Tarumã, em Santa Maria das Barreiras (PA), às 11h35. Após a decolagem, o avião caiu em uma área de vegetação, após apresentar um movimento conhecido na aviação como estol. “O avião exige velocidade para manter a sustentação e voando. E ele tem uma velocidade mínima onde ele vai perder a sustentação, ele não vai conseguir manter o voo. O estol é a perda de velocidade abaixo do mínimo que ele precisa para manter a sustentação e manter o voo”, explica o perito e especialista em acidentes aéreos Roberto Peterka.

Segundo o relatório, o avião operava com 623 quilos acima do peso máximo. “Foram utilizadas as velocidades e parâmetros de uma decolagem típica, reduzindo-se a potência pouco após o recolhimento do trem. Nesse contexto, não ocorreu a avaliação adequada dos parâmetros de voo, culminando com a condição de estol da aeronave”, aponta trecho da conclusão do documento. Segundo Peterka, os 623 quilos a mais são relevantes para as decisões de voo com esse tipo de aeronave.

“Ele [piloto] precisaria de um pouco mais de velocidade para decolar [acima do peso] porque ele estaria exigindo maior esforço das hélices, que é a tração. Primeiro que ele não deveria decolar com excesso de peso. Mas, como ele decolou, o que eles dizem no relatório é que ele precisaria aumentar a velocidade na pista para poder sair. Ou seja, no linguajar da aviação, ele tirou o avião mole. O avião não tinha a sustentação adequada. Vejam que eram 600 e tantos quilos a mais. Para esse avião é relevante, sim”, analisa Peterka.

A investigação identificou que a hélice esquerda estava operando a uma rotação por minuto (RPM) mais alta em comparação à hélice direita. Focados nisso, os pilotos teriam descuidado da velocidade. “No voo da ocorrência [do acidente], a tripulação fixou-se no excesso de rotações por minuto (RPM), não tendo notado, em tempo hábil, que a velocidade se reduzia, fato que limitou a possibilidade de se reagir tempestivamente à condição de estol”, diz trecho da conclusão do relatório.

O documento traz análise da condição de percepção dos pilotos diante da situação. “A condição de estol, provavelmente relacionada à gradual redução de velocidade que se seguiu à redução dos manetes de potência, não foi percebida em tempo hábil para que pudesse ser projetada uma reação. Naquele contexto, houve a percepção exclusivamente da condição de RPM da hélice ligeiramente excessivo”.

O professor acrescenta que o piloto optou, de maneira equivocada, por realizar uma manobra conhecida como embandeiramento ou passo bandeira da hélice. Ele explica que isso significa reduzir a velocidade da hélice e avalia que foi o fator que mais contribuiu para o acidente. “Primeiro, ele interpretou um disparo [da hélice], coisa que de fato não era. Era só um aumento normal de rotação. Segundo, ele reduziu a velocidade da hélice porque por muito tempo ele voou com um avião bandeirante que tinha como procedimento, em caso de disparo de hélice, reduzir o passo [rotação]. E ele o fez, só que colocou na posição de passo bandeira, que é quando a hélice fica sem nenhuma tração. E nisso daí o avião já estava em estol, que é uma velocidade baixa, o fenômeno que acontece quando o avião mais precisa de motor”, detalha.

“Um possível comandamento do embandeiramento dessa hélice pode ter dado início à perda de controle da aeronave”, diz trecho do relatório do Cenipa. Peterka faz uma comparação para explicar o desequilíbrio entre as rotações das hélices: “Quando você tem dois motores, imagina dois remadores. Um remador da esquerda rema, rema, rema e o da direita não rema. O que vai acontecer? O remador da esquerda vai fazer com que o barquinho vire para a direita. E foi o que aconteceu: o passo da hélice bandeira deixou de ter tração e o outro motor teve excesso de velocidade. Ele [avião] girou. […] Se inclina muito, perde toda a sustentação e vem para o chão”.

Segundo o Cenipa, o relatório é voltado a prevenir outros acidentes futuros. Na conclusão, foi recomendado à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) mudança no protocolo para reciclagem de pilotos deste modelo de aeronave, uma vez que houve mudanças em normatizações sobre esse avião.

No avião estavam o empresário Celso Silveira Mello Filho e sua família, além de piloto e copiloto. O caso será investigado pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Força Aérea Brasileira (FAB).

Entenda o que ocorreu ponto a ponto:
– O empresário Celso Silveira Mello Filho, sua esposa, três filhos, piloto e copiloto partiram pouco antes das 9h do Aeroporto de Piracicaba. A viagem teria como destino o Pará, para uma fazenda da família, onde passariam uma semana.
– O avião caiu 15 segundos após a decolagem, em uma área de mata próxima à Faculdade de Tecnologia (Fatec) da cidade.
– O Corpo de Bombeiros foi acionado e no local encontrou as sete vítimas já mortas, carbonizadas.
– O Cenipa e a Polícia Civil foram acionados para realizar as investigações sobre a causa do acidente.
– No local, equipes localizaram a caixa preta do avião, onde o histórico de voo é armazenado. Ela foi analisada para produção do relatório final.
– Destroços do avião também foram recolhidos e foram analisados pelo Cenipa.
– De acordo com a FAB, a documentação e manutenção da aeronave estavam em dia. O avião foi fabricado em 2019 e é considerado de alta versatilidade por especialista.
– A última manutenção foi realizada em 23 de agosto de 2021. O retorno da oficina ocorreu na véspera do acidente.

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