Relatório: Muro do Bope e poder bélico do CV em megaoperação no Rio

relatorio3A-muro-do-bope-e-poder-belico-do-cv-em-megaoperacao-no-rio

Estratégia, emboscada, resgates, poder do CV: o que disseram ao MP policiais sobre a megaoperação

Depoimentos fazem parte de um relatório do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre a ação que deixou 121 mortos nos complexos da Penha e do Alemão, incluindo quatro policiais.

‘Muro do Bope’: entenda estratégia da polícia em megaoperação mais letal do Rio de Janeiro

A megaoperação conjunta das polícias Civil e Militar nos complexos do Alemão e da Penha, no dia 28 de outubro, foi encarada pelas forças de segurança do Rio de Janeiro como uma guerra, com confrontos que se estenderam desde o amanhecer até a noite.

> “Não existe lugar pior no país para atuar do que o Complexo do Alemão e o Complexo da Penha”, avaliou André Luiz de Souza Neves, delegado e diretor do Departamento de Polícia Especializada.

A frase do policial civil faz parte do relatório do Ministério Público (MPRJ), que reuniu depoimentos do alto comando das forças de segurança que atuaram na megaoperação. O DE reuniu alguns desses relatos para mostrar detalhes da ação de guerra.

Ao todo, 2,5 mil policiais se mobilizaram para avançar pelo quartel-general do Comando Vermelho. A operação terminou com 121 mortos, sendo 4 policiais, além de 113 presos e 91 fuzis apreendidos.

Segundo o coronel Alex Benevenuto Santos, chefe do Estado-Maior Operacional da PM, a dimensão do poder bélico do tráfico explica o tamanho da violência que aconteceu naquele dia.

> “Havia a presença no local de cerca de 800 fuzis, divididos entre a Penha e o Alemão”, revelou o coronel.

Na opinião do comandante, a complexidade e a hostilidade do terreno ocupado por traficantes do DE justificaram a mobilização. Para o delegado André Luiz, a única forma de enfrentar essa estrutura seria uma ocupação prolongada.

“A verdade é que, para resolver esse problema, todo mundo teria que dar as mãos e dizer: ‘Vamos fazer algo macro e tomar o território, tomar mesmo, juntando governo federal, governo estadual, Marinha’. Tem que ocupar efetivamente por um mês. Polícia Civil e Polícia Militar juntas, porque aquilo se tornou um quartel do crime organizado em nível nacional. Os líderes de facções do Brasil inteiro estão lá”, avaliou André Luiz.

A megaoperação não foi improvisada. Segundo o comandante do Bope, Marcelo de Castro Corbage, houve 75 dias de estudos e ações para avaliar a capacidade de resistência dos criminosos, incluindo operações-ensaio em comunidades como Cidade de Deus, Gardênia e Lins.

“Foram realizadas operações como ‘treinamento para o cenário da Operação Contenção’. Tentamos infiltração de policiais para estudar a viabilidade, mas constatamos altíssimo risco, inclusive com um policial gravemente ferido”.

> “Como restou constatada a impossibilidade de infiltração, decidiu-se que adentraríamos no Complexo do Alemão como força de infantaria, utilizando o maior número de policiais possível em diversos locais”, explicou ao MP.

O inquérito que originou a operação buscava desarticular a estrutura liderada pelo traficante Edgar Alves de Andrade, o Doca, classificado como o chefe do CV em liberdade. Segundo a investigação, Doca mantém um modelo expansionista, dando ordens para chefes de tráfico de diversas comunidades e até de outros estados (como Bahia, Ceará, Pará e Amazonas) se esconderem ao seu lado no Complexo da Penha.

O Delegado Fabrício Oliveira Pereira, coordenador da Core, reforçou que o Complexo da Penha é uma área de “risco altíssimo” e que a questão transcende o âmbito da segurança.

> “Isso já ultrapassou um problema de segurança pública. É um problema de soberania nacional”, comentou o delegado.

O delegado André Luiz reforçou que o objetivo inicial da operação era cumprir dezenas de mandados de prisão e busca.

“O objetivo era o cumprimento de mandados de busca e apreensão e de prisão. Mas, obviamente, com a quantidade de criminosos e todo o desenrolar da operação, não conseguimos atingir todos os objetivos”, contou.

A operação chegou a ser adiada várias vezes por causa do clima e também pelo monitoramento constante feito pelo tráfico.

“Alteramos sim, algumas vezes, por questões climáticas. Precisávamos ter imagem aérea, porque lá são mais de mil fuzis, uma quantidade enorme de barricadas. Se não conseguíssemos ter visão aérea, eu iria expor absurdamente as equipes”, explicou André Luiz.

Mas não foi só a previsão de chuva que pesou. O delegado detalhou como os criminosos acompanhavam cada movimento da polícia.

“Quando você mobiliza 700, 800 policiais, os caras já têm informação. Mobilizou blindado, eles já estão preparados. Com esse quantitativo, só existem 2 opções: se não tem ninguém atravessando a Ponte Rio-Niterói para ir para o Complexo do Salgueiro, vai para Penha e para o Alemão. Isso é batata”, afirmou.

Segundo ele, até a Cidade da Polícia é monitorada pelo tráfico.

> “A gente é monitorado o tempo todo na Cidade da Polícia. Tem radinho [como são chamados os olheiros do tráfico] na Cidade da Polícia: ‘Olha, está chegando viatura, chegando viatura, chegando viatura’. Então, quando há essa magnitude de mobilização, já começa nos grupos do Comando Vermelho: ‘Atenção, rapaziada’.”, explicou.

A estratégia ideal planejada pelas forças de segurança foi alterada dada a complexidade e hostilidade do terreno ocupado pelos traficantes do CV. O Bope entraria pela parte alta da comunidade, e a Polícia Civil, com a Core, pela parte baixa. No entanto, a realidade mudou rapidamente no dia do confronto.

O planejamento inicial previa a criação do “Muro do Bope” na Serra da Misericórdia para impedir deslocamentos entre comunidades. Porém, o tenente-coronel Marcelo Corbage detalhou que a estratégia mudou durante o confronto, tornando-se uma operação de resgate após policiais civis serem baleados na região conhecida como Vacaria.

Segundo o relatório do MP com os depoimentos dos policiais, traficantes prepararam uma emboscada para as forças de segurança, resultando em 4 policiais mortos e 13 feridos. A operação teve mais de 5 mil disparos e evidenciou o poder bélico do tráfico no Complexo da Penha.

O comandante do Bope reforçou que a operação, inicialmente planejada para cumprir mandados de busca e prisão, transformou-se em um confronto intenso e letal com os criminosos. A ação demonstrou a complexidade e a violência enfrentadas pelas forças de segurança ao combater o tráfico de drogas no Rio de Janeiro.

Box de Notícias Centralizado

🔔 Receba as notícias do Diário do Estado no Telegram e no WhatsApp