Última atualização 23/06/2023 | 18:05
Uma planta nativa do Cerrado está trazendo esperança para pessoas com vitiligo. Os resultados de 13 anos de pesquisas são bastante animadores. A expectativa é que os compostos feitos a partir da mama-cadela consigam repigmentar até 80% da pele. O estudo feito na Universidade Federal de Goiás (UFG) promete ajudar mais de 65 milhões de pessoas no mundo que convivem com a doença a recuperar a saúde física e mental, sendo 1 milhão delas brasileiras. A estimativa populacional afetada é da Sociedade Brasileira de Dermatologia e da Fundação Internacional de Pesquisa em Vitiligo.
O vitiligo ainda é bastante estigmatizado. A desinformação reforça o preconceito, apesar das campanhas de conscientização. Marcada por perda de coloração na pele com possíveis sintomas como sensibilidade e dor, a doença causa muitos transtornos psicológicos nos pacientes porque muitas pessoas acreditam erroneamente que as lesões são transmissíveis por contato. Não há cura, mas o medicamento fitoterápico em estudo pode evitar esse tipo de desconforto social.
A mama-cadela se apresenta como uma alternativa aos efeitos colaterais de alguns tratamentos disponíveis. O uso dos corticoides se tornou uma das prescrições mais frequentes de dermatologistas para evitar novas lesões, porém há efeitos colaterais como atrofia da pele e crescimento de pelos na área afetada. Somado a isso, eles não estimulam a repigmentação e o custo é alto para o orçamento de muitos pacientes.
Na prática, o uso da novidade seria de duas formas: ingestão de comprimidos e aplicação de creme na região da pele sem a melanina – a proteína produzida pelos melanócitos, as células que, por razões ainda desconhecidas, não existem ou apresentam menor quantidade no organismo das pessoas com vitiligo. O resultado satisfatório depende ainda da exposição ao sol por meia hora.
O filho da fisioterapeuta Ana Beatriz tem 3 anos de idade e está sendo submetido a tratamento inovador há seis meses. Ela afirma que a diferença na pele do garoto é surpreendente. O pequeno faz parte da pesquisa com autorização da mãe de maneira voluntária e vem sendo acompanhado por um dermatologista, pela pesquisadora, que é farmacêutica. Ela diz que o diagnóstico veio após perceber uma mancha branca na testa da criança.
“O uso é tópico uma vez ao dia. Não houve nenhuma reação adversa. A pigmentação retornou um pouco desde então e espero que volte tudo ainda. Ele não entende o que é vitiligo por causa da idade, só sabe que tem uma manchinha. Graças a Deus está respondendo super bem. Vamos fechar essa manchinha”, afirma esperançosa.
Os exemplares da raiz são obtidos pelo extrativismo vegetal, mas o grupo já avalia a produção sustentável para garantir os insumos na produção farmacêutica. A formulação criada pelos cientistas a partir da raiz da planta beneficia não apenas os pacientes com a doença. As descobertas relacionadas ao problema crônico e aos componentes do exemplar da flora do Cerrado tendem a estimular outros tipos de pesquisas. A farmacêutica Mariana Cristina de Morais integra a equipe que celebra a elaboração do fitoterápico. Segundo ela, o composto será fornecido ao filho de Ana Beatriz até que o resultado esperado seja obtido e não há prazo definido.
Mariana compartilha o conhecimento com os alunos da disciplina de Farmacognosia do curso de Farmácia do Centro Universitário Estácio de Goiás em Goiânia. “Com a pesquisa consigo exemplificar aos alunos como se dá a produção de um fitoterápico desse a coleta do material vegetal até o produto final. E qual o papel do profissional Farmacêutico em todas as etapas”, detalha. A docente ensina detalhes os princípios ativos naturais e aponta a mama-cadela como um dos objetos de estudo na sala de aula. De acordo com a profissional, o projeto já estava em andamento quando ingressou como pesquisadora do trabalho coordenado pelo professor Edemilson Cardoso da Conceição, da UFG.
Dose
Há muito tempo, a sabedoria popular já apontava a mama-cadela como um remédio para diversas doenças. Chás com a planta batizada assim pelo formato dos frutos semelhante às mamas de uma cadela são administrados principalmente em regiões mais distantes dos centros urbanos para tratar vitiligo, doenças respiratórias e úlcera gástrica. As propriedades medicinais, no entanto, perdem o efeito e se tornam um “veneno” com o consumo em excesso. O risco é de intoxicação e comprometimento do fígado.
A jornalista Elisama Ximenes tem vitiligo e não faz nenhum tratamento há anos. Ela afirma ter aprendido a conviver com as marchinhas e interrompeu o tratamento aos 13 anos de idade. Ela experimentou diversas opções naquele período, inclusive o de mama-cadela. Ela é uma exceção no grupo de pessoas afetadas pela condição.
“As primeiras [manchas] foram nas pálpebras, aos 5 anos de idade, mas hoje tenho nas articulações (joelhos, cotovelos), nas mãos e pés, e no pescoço, além de algumas no rosto, sobre os olhos e ao redor da boca. Não tem necessidade, só cuido da proteção solar por se tratar de uma área sensível. Não vejo necessidade de controlar e sei que mesmo tratando elas podem voltar, afinal vitiligo não tem cura e é psicossomático”, frisa.
Enfrentamento
A dermatologista Vivian Pedruzzi explica que a ação do extrato de mama-cadela no tratamento do vitiligo foi descoberta pelo médico goiano dermatologista Anuar Auad em 1968. Ela afirma que ele desenvolveu a fórmula comercial pela Auad Química, denominada Viticromin em cápsula e pomada. A especialista ressalta que existem estudos desenvolvidos na UFG há mais de dez anos comprovando bons resultados, segurança e tolerabilidade deste tratamento.
O diagnóstico é clínico e, atualmente, a medicina oferece tratamentos tópicos ou orais tradicionais para controle das lesões do vitiligo. Há ainda a administração de terapias com luz ultravioleta, laser e até transplante de melanócitos. Um dos obstáculos enfrentados é a individualidade da resposta do organismo dos pacientes e a dificuldade no acesso a todos os recursos disponíveis pela falta de cobertura integral na rede pública de saúde.
Em Goiás, há centros de referência públicos para cuidados aos pacientes com a doença autoimune e, portanto, sem prevenção. A lista é formada pelo Hospital de Doenças Tropicais (HDT), Hospital das Clínicas (HC), Santa Casa de Misericórdia e Hospital Geral de Goiânia (HGG) realizam atendimento como micropigmentação das manchas. Dessa forma, orientamos procurar informações nessas unidades.
Uma rotina de vida saudável vem sendo apontada como uma estratégia para minimizar o aumento em tamanho e em número de manchas despigmentadas. O controle do estresse, traumatismo na pele, queimaduras solares e alterações metabólicas são apontados como recomendações de todos os especialistas. Por isso, dormir bem, manter alimentação adequada, evitar roupas apertadas ajudam a melhorar o quadro.