REGUA: inspiração e preservação no coração da Mata Atlântica
Área protegida no interior do Rio de Janeiro alia turismo sustentável, pesquisa e reflorestamento, com mais de 900 mil árvores plantadas e reintrodução de espécie extinta na região
Nicholas Locke é o fundador da Reserva Ecológica de Guapiaçu (DE) – — Foto: Rio de Agora – Divulgação
Imagina viver em um lugar onde é possível se sentir, constantemente, abraçado pela natureza? Essa é a sensação e inspiração de Nicholas Locke por uma área muito especial do estado do Rio de Janeiro — que ele chama de casa. Um pedaço de Mata Atlântica, com mais tons de verde do que ele consegue contar, a apenas 100 quilômetros da capital.
Esse lugar é a Reserva Ecológica de Guapiaçu (DE), uma área protegida de 8 mil hectares, na zona rural do município de Cachoeiras do Macacu. Nasceu de um desejo familiar de proteger o que restava da mata das terras da família. Virou um verdadeiro oásis de preservação, pesquisa, ensino e exemplo de desenvolvimento responsável.
Nicholas nasceu e cresceu no Reino Unido, onde os tons predominantes da paisagem eram cinzentos. No entanto, carregava na memória imagens da infância, de visitas à fazenda no Brasil, comprada pelo seu bisavô em 1904. “Eu lembrava do calor, do verde, desse pano de fundo lindíssimo, da serra imponente. Depois de me formar em técnico agrícola, voltei e me encontrei nesse lugar”, conta.
Era final dos anos 1970 e a área já havia sido dividida entre alguns herdeiros, mas ninguém demonstrava real interesse nas terras. Dar continuidade a um trabalho que, outrora, era referência em tecnologia, inovação e desenvolvimento sustentável da região, passou a ser sua missão de vida.
“Me inspiro muito na temporalidade ligada aos meus antepassados. Meu bisavô veio e, apesar de todas as dificuldades, se sentia bem aqui. Papai herdou e eu sou sucessor. Sinto essa responsabilidade nata de cuidar daqui”, narra.
O cenário que encontrou nos anos 70, no entanto, era complexo. Havia muita devastação e a Mata Atlântica ainda não era uma área de preservação. “Eu vim, então, trabalhar na fazenda e levei tempo para ter progresso. Só anos depois pude me dedicar a uma área que eu gostava muito, que é a propagação de sementes florestais”, lembra.
Era o início de um grande projeto de conservação, com olhos na urgência em preservar a região para as futuras gerações.
Surge a REGUA
“Em 1996, dois ingleses, ornitólogos, vieram nos visitar e fizeram um levantamento rápido da região. Encontraram uma quantidade absurda de aves.” A constatação, de acordo com o ambientalista, indicava que a floresta ainda estava muito bem preservada. Era preciso agir, e rápido, para segurar a destruição.
A resposta às inquietações chegou com a criação da Organização Não-Governamental Reserva Ecológica de Guapiaçu (DE), com o objetivo de promover ações ligadas à conservação. “Era preciso proteger o que restava, especialmente na sensibilização das pessoas que entendiam que o ciclo de derrubada da floresta era a única opção de desenvolvimento”, conta.
Também era preciso conectar as áreas de preservação que ainda restavam na região, criando um ecossistema maior e mais diversificado. Por fim, sentiu-se a necessidade de um programa de pesquisa para subsidiar todos esses esforços, valorizando o conhecimento popular e integrando-o à pesquisa científica.
Turismo como opção sustentável
Para chamar ainda mais atenção para suas ações, a REGUA investiu em um receptivo turístico no local. “Pensamos: como trazer essas 10 milhões de pessoas que moram a menos de 100 quilômetros daqui para conhecer a riqueza, pra ver a beleza do mundo que a gente estava enxergando?”.
Uma pousada e um centro de visitação foram organizados e os visitantes começaram a chegar. Primeiro para a observação de aves, depois para conhecer o Parque Estadual dos Três Picos, a terceira maior área remanescente de mata atlântica do Brasil, que fica junto à REGUA. Tudo isso trouxe visibilidade e colaboração à ONG, que floresceu junto com a mata.
Logo o local virou um ponto de referência de visitação para estudantes e pesquisadores. Outras terras foram compradas, reflorestadas e transformadas em área em Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPA).
Hoje, a REGUA emprega 45 pessoas que atuam em mais de 10 mil hectares de áreas protegidas, próprias e vizinhas. Já plantou mais de 900 mil árvores na região e recebe, anualmente, 2,3 mil visitantes, especialmente crianças. “As pesquisas também frutificaram: hoje temos 165 professores ligados à REGUA para conduzir os alunos em estudos, além de 180 artigos publicados sobre a nossa região”, diz orgulhoso.
O retorno das antas
Outra iniciativa que enche o ambientalista de orgulho é a reintrodução de um animal que estava extinto na região, a anta. “É uma espécie associada aos banhados e às florestas de baixada, nossas características. Em 20 anos, conseguimos trazer 18 animais de centros de conservação e já tivemos sete nascimentos na área da REGUA. É um projeto espetacular”, emociona-se.
A recuperação da floresta também ajuda a preservar a bacia do rio Guapiaçu, protegendo o lençol freático. “É fundamental para o abastecimento de água potável para as populações de Alcântara, São Gonçalo e Niterói. Nossas ações de preservação já foram aprovadas como políticas públicas”, diz, orgulhoso.
Inspiração que ultrapassa caminhos
Mudas de mangue vermelho dão nova vida ao Mangue Alegria, na região do Caju — Foto: Rio de Agora/Divulgação
Na REGUA, a inspiração familiar de Nicholas Locke vira ação e o futuro da Mata Atlântica ganha raízes firmes. Com elas, renascem também os caminhos para um planeta mais sustentável. Outro exemplo de recuperação que inspira e dá novo fôlego para a preservação ambiental é o Mangue Alegria.
O projeto, implementado em 2023 pela Águas do Rio em parceria com o biólogo Mario Moscatelli, está transformando a área do manguezal do Caju, na Zona Portuária do Rio. Antes considerado um “lixão”, em apenas dois anos a área no entorno da maior estação de Tratamento de Esgoto do estado do Rio, a Alegria (próxima à Linha Vermelha e ao Aeroporto Internacional Tom Jobim), já começa a ganhar uma nova cara.
Proteção às matas nativas
Os manguezais são conhecidos por serem um berço de peixes e crustáceos e desempenham papel fundamental para a vida marinha e qualidade da água do mar. Esses ecossistemas atuam também como um verdadeiro filtro natural, purificando a água contaminada por esgoto e metais pesados, além de terem a capacidade de sequestrar quatro vezes mais carbono do que qualquer outro tipo de floresta, amenizando o efeito estufa.
E foi em busca desses benefícios que o Mangue Alegria começou a ser revitalizado. As primeiras ações foram a limpeza do lugar e o plantio de um canteiro de mudas nativas, o mangue vermelho. No total, quatro mil mudas já foram implementadas em uma área de cinco mil metros quadrados, transformando o cenário em um cinturão verde.
Em dois anos, 150 toneladas de lixo já foram removidas da região, abrindo espaço para uma nova floresta. Com isso, os sinais de recuperação da fauna, que já são visíveis no ecossistema e a vida voltou a florescer na região. A capivara, que até um ano atrás raramente era vista no mangue do Caju, agora surge em grupos. Assim como aves típicas dos manguezais e até caranguejos das espécies Uçá e Guaiamum.
Limpeza permanente
Projeto prevê revitalização e limpeza constante em uma área de 8,2 hectares — Foto: Rio de Agora/Divulgação
O projeto de recuperação e ampliação do manguezal, que conta também com ações permanentes de limpeza e proteção contra o acúmulo de lixo, ainda tem muito trabalho pela frente. O objetivo é audacioso: revitalizar 8,2 hectares de área degradada, o equivalente a oito campos de futebol do tamanho do Maracanã. No total, 135 mil mudas de mangue vermelho serão plantadas no local, de forma gradativa.
A revitalização do Mangue Alegria faz parte do compromisso da Águas do Rio em contribuir para a recuperação da Baía de Guanabara. Até 2033, a concessionária vai investir R$ 19 bilhões em saneamento básico no estado. Com todas as ações previstas, cerca de 1,3 bilhão de litros de esgoto deixarão de desaguar diariamente naquele cartão-postal do estado. Em pouco mais de três anos de operação, a empresa já aplicou R$ 4 bilhões em sua área de atuação.