Responsabilidade pelo uso indevido de cartão sem senha

Há muito tem se observado uma evolução crescente na tecnologia destinada ao aprimoramento dos meios de pagamentos, sobretudo, aqueles instantâneos, os quais visam acompanhar a dinamicidade da vida cotidiana sempre observando a segurança e facilidade no uso.

A exemplo de um marco tecnológico nessa evolução, ocorrera ainda em 2014 com a implantação definitiva dos sistemas de chip eletrônico nos cartões,  viabilizando uma comunicação direta e imediata com o sistema do Banco Central e validando, em segundos, as transações realizadas mediante a utilização do cartão de chip com senha.

O então “novo método de pagamento” foi, à época, revolucionário no quesito segurança, inviabilizando inúmeras fraudes existentes no mercado e permitindo que mais consumidores tivessem acesso ao uso de cartões, sem uma necessidade extensa de análise de crédito.

Para além do tradicional uso do cartão com chip mediante a digitação de senha, nos últimos anos, fora criada e aprimorada uma nova tecnologia, denominada NFC (Near Field Communication) ou, popularmente, contactless, que, via de regra, isenta o titular do cartão da necessidade da utilização de senha para concluir transações com valores aviltados, bastando tão somente à aproximação, tornando, em tese, a experiência com pagamentos eletrônicos ainda mais rápida e dinâmica para pequenas compras.

No entanto, a tecnologia de pagamento por aproximação deve ser explorada com cautela, pois, em nome da praticidade no uso do cartão, foi sacrificada a última camada de proteção ao consumidor, qual seja, a senha.

Em caso de perda ou roubo, propicia e facilita o uso do cartão por terceiros estranhos.

Imagine-se a seguinte situação: o consumidor, titular de um cartão com tecnologia contactless, perde o instrumento de pagamento e, somente após 12 (doze) horas do ocorrido percebe a ausência desse dispositivo. Ao consultar o saldo bancário/fatura, identifica vários débitos realizados sem a sua autorização, imediatamente, entra em contato com a instituição financeira e solicita o bloqueio definitivo do cartão, porém é informado que os débitos existentes não poderiam ser estornados, em razão da utilização física do meio de pagamento.

Nessa hipótese, há responsabilidade das instituições financeiras e/ou fornecedores?

A resposta é: depende! Via de regra, por tratar-se de relação consumerista entre as instituições financeiras e os titulares de cartões, aplicar-se-ia a responsabilidade objetiva pelo que dispõe a súmula nº 479 do STJ, condenando, em tese, as instituições financeiras, solidariamente, com as empresas fornecedoras em caso de uso indevido dos cartões.

No entanto, a corte cidadã tem mitigado a responsabilidade daquelas, atribuindo culpa exclusiva ao consumidor (inciso II do §3º art. 14 do CDC) para os casos em que mesmo havendo o uso indevido do cartão, esse fora utilizado mediante a apresentação de senha.

O entendimento decorre no sentido de que, se existente o dano, somente ocorreu por falha no dever de guarda das informações pessoais do consumidor, não sendo lícito a transferência de responsabilidade para as fornecedoras, vez que é presumida a titularidade do portador do cartão se este possuir o código PIN.

Logo, o estabelecimento que aceita o pagamento com uso de cartão sem senha e, deixando de conferir a titularidade do portador, pode ser responsabilizado pelo recebimento indevido dos valores, em razão do risco pela atividade econômica, mesmo inexistindo lei federal que as obrigue a confirmar a titularidade do portador.

Cumpre destacar que, para especificamente o Estado de Goiás, desde 2009 com edição da Lei Estadual nº 16.582, há obrigatoriedade para que as empresas, nas transações realizadas a crédito sem utilização de senha, exijam, no ato de pagamento, a apresentação de documento de identidade e assinatura do titular no respectivo comprovante da despesa realizada.

A referida norma estadual, vigente há mais de uma década, visou proteger os consumidores e fornecedores de eventuais fraudes praticadas para o uso dos cartões sem chip, aqueles utilizados apenas com a tarja magnética.

No entanto, mesmo a referida norma, não abarcando de forma literal a nova tecnologia NFC, e aplicando uma análise extensiva do que dispõe a ratio da lei, entende-se que o legislador, sob a ótica protecionista, visou comprovar e legitimar a titularidade do portador do cartão ao usá-lo sem solicitação de senha.

Dessa forma, ante a inexistência de lei federal específica, ou quiçá, entendimento dos tribunais para exclusão de responsabilidade das instituições financeiras e fornecedoras, como o fez nos casos de uso indevido de cartão com senha, se faz necessário que essas, sobretudo com atuação no âmbito do Estado de Goiás, exijam a comprovação de titularidade do portador do cartão, ao receber os pagamentos sem a utilização de senha, como meio de se resguardarem de eventuais danos.

*João Gabriel Caetano é advogado, especializando em direito civil e processo civil.

🔔Receba as notícias do Diário do Estado no Telegram do Diário do Estado e no canal do Diário do Estado no WhatsApp