“Tiro no pé” de Donald Trump? Qual é o risco de uma recessão nos EUA
Recessão nos EUA entra novamente no radar do mercado, em meio a incertezas geradas por políticas de DE e possível guerra comercial global
Dois meses depois da posse do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, uma palavra capaz de causar calafrios no mercado financeiro voltou a entrar no radar de investidores e analistas quando o assunto envolve as perspectivas para a maior economia do mundo. “Recessão.”
O próprio mandatário norte-americano contribuiu para alimentar as preocupações do mercado, no último dia 10, quando não descartou a hipótese de os EUA entrarem em recessão ao ser questionado sobre o tema durante entrevista à Fox News. Dias depois, o secretário do Tesouro do governo Trump, Scott Bessent, fez coro ao discurso do chefe e disse que “não há garantias” de que o risco de uma eventual recessão econômica esteja totalmente afastado dos EUA.
Entre o início do governo Trump, em 20 de janeiro, e o dia 14 de março de 2025, empresas norte-americanas listadas nos principais índices das bolsas de valores do país perderam cerca de US$ 4 trilhões em valor de mercado. Neste ano, o Dow Jones acumula desvalorização de 2,5%, o S&P 500 caiu 4,1% e Nasdaq desabou 8,1% (a maior queda entre 21 indicadores globais). O chamado “índice do medo” (Volatility Index”, o VIX, na sigla em inglês), usado como referência sobre o nível de volatilidade do mercado, atingiu em março o nível mais alto de 2025.
CHANCES DE RECESSÃO
Na última quarta-feira (19/3), dia em que o Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA) anunciou a manutenção da taxa básica de juros no intervalo de 4,25% a 4,5% ao ano, a autoridade monetária atualizou suas projeções para os indicadores da economia norte-americana e reduziu a perspectiva de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país de 2,1% para apenas 1,7% em 2025.
Em meio ao clima de incerteza, amplificado pelos rompantes de Trump e por uma dura política tarifária que colocou o mundo à beira de uma guerra comercial, a hipótese de os EUA entrarem em recessão foi reforçada pelo GPDNow – uma espécie de “monitor do PIB” elaborado pelo Federal Reserve de Atlanta. Em sua última leitura, no início de março, a estimativa era a de uma queda anualizada de 2,5% do PIB no primeiro trimestre, bem diferente da projeção anterior (alta de 2,3% para o período).
De acordo com um relatório elaborado por analistas do JPMorgan, a economia dos EUA deve avançar apenas 1% entre janeiro e março (ante 1,5% da estimativa anterior do banco) e a probabilidade de recessão nos próximos 12 meses chega a 40%. O Goldman Sachs, mais moderado, fala em 20%. A consultoria BCA Research, mais pessimista, indica uma chance de 75% de que o país entre em recessão técnica nos próximos três meses.
A recessão técnica ocorre quando há dois trimestres consecutivos de queda do PIB – em outras palavras, o país teria uma perda no valor de seus bens e serviços por um período de pelo menos 6 meses. Já uma recessão é caracterizada pela queda da atividade econômica de forma generalizada. Ela ocorre quando vários indicadores da economia apresentam resultados negativos e se deterioram consideravelmente, com aumento do desemprego e baixa da produção e do consumo, independentemente de haver recuo do PIB por dois trimestres consecutivos.
A última recessão dos EUA aconteceu no início da pandemia de Covid-19, entre 2020 e 2021. Antes dela, o país enfrentou uma recessão por 18 meses, entre 2007 e 2009, com a crise do “subprime”. Na época, houve a concessão de uma série de empréstimos hipotecários de alto risco – para financiamento imobiliário – pelos bancos. Muitas instituições financeiras foram levadas à insolvência, o que derrubou as principais bolsas de valores. O auge da crise foi a quebra do Lehman Brothers, um dos mais antigos bancos de investimento do mundo.
“A possibilidade de recessão surgiu por causa de alguns cortes de despesas propostos pelo governo Trump. Na verdade, antes da posse, isso não estava no radar dos agentes econômicos. Tão logo o novo governo assumiu e se viu que o discurso de austeridade poderia ser colocado em prática, a chance de uma recessão passou a ser concreta”, observa Mauro Rochlin, coordenador do MBA de Gestão Estratégica e Econômica de Negócios da Fundação Getulio Vargas (FGV).
“Não sei o quanto essa orientação [de corte de gastos] vai vingar. Durante a campanha, o que se ouvia do próprio Trump era que o governo estava comprometido com corte de impostos, o que representa, na realidade, aumento líquido de gastos. Agora, surpreendentemente, está se falando em corte efetivo de despesas. Se o governo apontar nessa direção, a possibilidade de recessão não está descartada”, prossegue. “Agora o discurso mudou um pouco. Como eles foram adiante na proposta de taxação de importações e isso tem um claro impacto inflacionário, parece que a proposta de corte de gastos é para valer. Seria uma espécie de compensação à imposição de tarifas.”
GUERRA COMERCIAL É AGRAVANTE
Segundo os especialistas ouvidos pelo Metrópoles, a guerra comercial travada entre os EUA de Trump e diversos países da União Europeia (UE), da Ásia e das Américas, incluindo a rival China, o Brasil e parceiros históricos dos norte-americanos, agrava o quadro de instabilidade global, afeta os mercados e provoca um clima de pânico que pode afugentar investidores. Nesse sentido, o “tarifaço” de Trump pode ser um tiro no próprio pé.
“É difícil determinar se a recessão vai ocorrer agora, mas não podemos ignorar o fato de que o próprio Trump e alguns de seus secretários têm falado abertamente sobre essa possibilidade. Se o presidente e outras autoridades vêm falando sobre o assunto, é porque o risco existe”, diz André Galhardo, consultor econômico da plataforma de transferência internacional, cartão e conta global Remessa Online.
“O fator Trump é determinante. Empresários e investidores não gostam de conviver com a incerteza, e o Trump é uma fonte profunda de incerteza por ter um comportamento totalmente imprevisível”, explica Galhardo. “Uma recessão agora estaria associada ao aumento do clima de instabilidade e indefinição, sobretudo envolvendo as questões comerciais. É difícil projetar com maior clareza o que nos espera porque estamos vendo que o discurso do governo é de idas e vindas. As coisas estão ainda um tanto indefinidas. De qualquer maneira, a possibilidade de recessão está no radar.”
Na semana passada, Trump implementou tarifas de 25% sobre importações de aço e alumínio em todo o mundo e ameaçou taxar em 200% todos os vinhos e produtos alcoólicos oriundos do bloco europeu caso não fosse removida a tarifa de 50% sobre o uísque norte-americano. A UE informou que retaliará os EUA em 26 bilhões de euros (cerca de US$ 28 bilhões) em produtos vindos do país a partir do mês que vem. Em abril, entrarão em vigor outras medidas comerciais de Trump contra a UE.
“A retaliação às tarifas pode representar um desincentivo ao comércio internacional e, com isso, as exportações dos países tendem a cair. Para alguns países, como os EUA, a exportação é um importante componente do PIB. Com a queda das exportações, o efeito pode ser uma redução do crescimento econômico”, explica Rochlin, da FGV.
INFLAÇÃO
Além do risco de uma recessão, a inflação nos EUA também tem aparecido na lista de preocupações do mercado. De acordo com as novas projeções do Fed, o país pode encerrar este ano com um índice inflacionário de 2,7%, um leve aumento em relação à estimativa anterior, de 2,5%, divulgada em dezembro.
As tarifas aplicadas pelo governo Trump tendem a tornar mais caros os produtos importados pelos norte-americanos. Uma sondagem recente feita pela Universidade de Michigan com consumidores do país mostrou que a expectativa de inflação para daqui a 5 anos é de 3,5% – o maior patamar em três décadas, desde abril de 1995.
De acordo com dados divulgados na semana passada, o Índice de Preços ao Consumidor nos EUA (CPI, na sigla em inglês), que mede a inflação no país, ficou em 2,8% em fevereiro na base anual, um recuo de 0,2 ponto percentual em relação ao mês anterior (quando foi de 3%). Na comparação mensal, a taxa foi de 0,2%, ante 0,5% em janeiro. A meta de inflação nos EUA é de 2% ao ano. Embora não esteja nesse patamar, o índice vem se mantendo abaixo de 3% desde julho de 2024.
“Sem dúvida, o que mais conta é a imposição de tarifas, que vão tornar os produtos importados mais caros. Quem vai pagar essa conta é o consumidor americano. Mas eu não vejo como muito significativa essa possibilidade de inflação elevada”, pondera André Galhardo.
“Se você olhar para as taxas de juros dos títulos de 10 anos, verá que elas se encontram abaixo do que no fim do governo do ex-presidente Joe Biden”, explica o economista. “Se houvesse um risco grande de uma inflação mais alta no curto prazo, isso se refletiria no aumento da taxa de juros. Como isso não está acontecendo, fica difícil falarmos em inflação alta.”