Opinião: balanço de um ano da SAF da Portuguesa exige franqueza e honestidade
É impossível analisar esse início de trabalho sem considerar o tripé do projeto: a gestão do futebol, o processo de recuperação judicial e o plano do novo Canindé
A SAF da Portuguesa completou um ano neste fim de semana. A data leva em conta a assinatura do contrato pela direção do clube e pelos investidores da Tauá Partners. Logo vem pergunta: que balanço se pode fazer deste primeiro aniversário?
Antes de tudo, é preciso considerar as características da SAF rubro-verde. Trata-se de um projeto que não se resume só a separar o futebol da associação, criando um novo CNPJ, tendo como sócios a Lusa (com 20%) e a Tauá (com 80% e a administração).
O projeto da SAF da Portuguesa engloba também o saneamento das dívidas por meio de um processo de recuperação judicial e o plano do novo Canindé, explorando o valioso terreno. Um tripé cujas três frentes dependem umas das outras para serem viáveis. Portanto, ao se fazer um balanço, é preciso levar em conta essas três frentes.
Os responsáveis pela Tauá Partners, que tem como especialidade recuperar empresas em situação falimentar, deram entrada no processo de recuperação judicial no primeiro mês. E, neste ano de 2025, foram bem sucedidos em uma das etapas mais importantes.
Foi a aprovação pelos credores, em assembleia, do plano de pagamento proposto. Em resumo, um plano que prevê quitar cerca de R$ 560 milhões em dívidas despendendo R$ 190 milhões de maneira escalonada. O que falta? A homologação pela Justiça.
Além de diversas ações protelatórias de uma parcela de credores descontentes com a RJ, em especial os que têm mais a receber, e que ficarão no fim da fila de pagamento, surgiram entraves decorrentes de pendências de décadas da Portuguesa.
Como, por exemplo, quitação de débitos para expedir certidões junto a órgãos públicos. Havia uma expectativa por parte da Tauá Partners de ter a homologação no segundo semestre de 2025. Agora, o objetivo é de que isso aconteça até o fim de março de 2026.
Com isso, não se pode considerar que essa frente representou um sucesso absoluto neste ano. Mas é inegável que o saldo é positivo, principalmente no que se refere à assembleia de credores. O caminho está pavimentado, algo impensável nos tempos de associação.
Quanto a outra frente, do projeto do novo Canindé, esse primeiro ano foi marcado por dois grandes entraves que claramente surpreenderam a Tauá Partners. Um deles foi a complexidade das pendências que a Lusa tem em relação ao terreno do Canindé.
Uma área que é, grosso modo, metade própria da Portuguesa e metade uma concessão da prefeitura de São Paulo. Nos dois casos, há pendências que se acumulam há décadas. De impostos nunca pagos, passando por contrapartidas jamais respeitadas, até ausência de regularização de renovação de concessão, sem contar documentos perdidos.
Nada disso é novidade para o mundo lusitano, mas ficou evidente o quanto a SAF não esperava tamanhas pendências. Negociações estão em andamento com a prefeitura, que tem manifestado boa vontade, mas o tempo do poder público nunca é ágil. A projeção da Tauá Partners é equacionar tudo isso e liberar o terreno em meados de 2026.
Outro entrave acabou fugindo do controle dos investidores, que foi o escândalo da Reag, uma das maiores gestoras de fundos do país, no centro de uma operação da Polícia Federal que apura crimes financeiros envolvendo até narcotraficantes.
A Revee, gestora de espaços esportivos e culturais, escolhida pela Tauá Partners para tocar o projeto do novo Canindé, é um braço da Reag. Em meio à crise, os gestores da SAF da Lusa romperam o vínculo com a Revee e estão atrás de outro parceiro.
Há negociações com o próprio Luís Davantel, ex-WTorre, um dos artífices do projeto do Allianz Parque, e que deixou com toda equipe a Revee após o escândalo da Reag, criando uma nova empresa. Ou seja, pode ser a mesma equipe, mas sem a Reag por trás. Em 2026, o único ponto “bom” talvez tenha sido a apresentação do projeto. Só.
Tanto que um dos momentos mais constrangedores da SAF foi justamente fazer uma despedida do Canindé no Paulistão, disputar os outros jogos no Pacaembu, e depois voltar ao estádio rubro-verde para a Série D. Foi a frustração dos planos escancarada.
Tudo indica que a Lusa pode jogar 2026 todo no Canindé. O crucial, claro, é regularizar e liberar o terreno junto ao poder público e fechar uma nova parceria para o projeto. O preocupante, porém, é o atraso do elemento que viabiliza financeiramente todo o resto. Essa frente, portanto, não pode ser avaliada de outra forma que não negativa.
Aí chegamos à última frente, o carro-chefe da Portuguesa, que é o futebol. A equipe rubro-verde fez um Paulistão de luta contra o rebaixamento, permanecendo na elite; caiu na primeira fase da Copa do Brasil; e parou já na segunda fase da Série D.
O Paulistão talvez tenha sido o campeonato mais “aceitável”, muito pelo tempo escasso entre a concretização da SAF e a estreia. Uma competição de tiro curto em que as circunstâncias atrelariam a Lusa mais à permanência do que a uma classificação.
Claro que era possível fazer mais e melhor, mas não se compara à decepção que foi cair na primeira fase da Copa do Brasil. Mesmo que se entenda a alegada impossibilidade de segurar jogadores que estavam sendo contratados para a Série B do Brasileiro, cair na primeira fase, em pleno Pacaembu, foi não só frustrante como revoltante.
Até do ponto de vista da gestão se tratou de algo negativíssimo, afinal, a Portuguesa perdeu não só a premiação financeira por classificar para a segunda fase como a própria briga (nada impossível tecnicamente) para avançar e lucrar ainda mais.
E, por fim, a mãe de todas as decepções: a Série D. Era a grande competição da Lusa na temporada. O acesso poderia ser o grande cartão de visitas da SAF. A forma de tentar ainda manter viável aquela promessa quase impossível de chegar à elite em cinco anos.
A Série D foi um fiasco. Uma primeira fase com um elenco e uma bola que não davam a nenhuma pessoa sincera e honesta a sensação de condições de acesso. Não só sem bola, mas sem alma, sem vibração, sem perfil para o desafio que se apresentava.
A queda no primeiro mata-mata pode até ser considerada vexatória se levado em conta todo o discurso de maior folha salarial, de melhor estrutura, de profissionalização extrema, sem nem mencionar promessas soberbas de título e de campanha invicta.
Nos casos das três competições, alguns elementos em comum. Um claro entendimento de que dava para obter sucesso com um patamar de qualidade mais baixo, uma escolha e uma insistência absolutamente erradas em uma comissão técnica nada talhada para os desafios e um processo de contratações focado muito em dados e pouco em perfil.
Queimou-se etapas. Seja na escolha da comissão técnica, seja na forma de encarar os dados no trabalho de scout. Tentou-se implementar algo que só fará sentido algumas divisões acima, junto de uma escolha que não levou em conta (repito) perfil.
Obteve-se, infelizmente, resultados que a própria associação obteve em anos passados. Mas, claro, aqui vale destacar vários avanços fora de campo. Houve melhorias no CT, ampliação do corpo administrativo do futebol, avanço imensurável da parte de saúde e performance, um início de um incontornável trabalho de análise de dados, etc.
Houve, por exemplo, mais especificamente no Paulistão, negociações frutos de boas captações como o meia Rildo, o atacante Jajá Silva e o centroavante Renan Peixoto (esse rendeu R$ 6 milhões em venda ao Athletico-PR). Só que foram exceções.
Houve também salários e benefícios em dia, algo que já não vinha mais acontecendo nos últimos meses de 2024 com a associação. O que só reforça que, sem a SAF, talvez a Lusa tivesse dificuldades até de manter um sub-20 jogando essas competições em 2025.
Por fim, vale complementar tudo isso com algo evidente: não se reconstrói em um ano o que se passou três décadas destruindo. Só que nem por isso se pode relevar erros, passar a mão na cabeça e tratar como se nada poderia ser melhor. Franqueza e honestidade.
Como avaliar o tripé do projeto? Quanto à recuperação judicial, pelos avanços e pelo caminho certo, positivo. Quanto ao novo Canindé, pelos atrasos e pelos entraves, negativo. Quanto ao futebol, no máximo, regular. E regular para menos.
Colocando tudo na balança, que nota isso daria? Uma nota para passar de ano. Nada além disso. E com um alerta sério e claro de que correções de rota precisam ocorrer, sobretudo no que depende exclusivamente da SAF, como a gestão do futebol.
Esse primeiro ano tem de servir, ao menos, de aprendizado. Para se entender tanto o que é a Portuguesa (o que gerou vários ruídos e constrangimentos desnecessários) quanto a real dimensão dos desafios que o clube tem (acima do que a SAF entregou).
A impressão que fica é que os investidores subestimaram o desafio. Em todos os aspectos, acharam que seria mais simples e que seria necessário menos do que realmente se exige. O segundo ano pede pé no chão, correção e ainda mais trabalho.
*Luiz Nascimento, 33, é jornalista da rádio CBN, documentarista do Acervo da Bola e escreve sobre a Portuguesa há 15 anos, sendo a maior parte deles no ge. As opiniões aqui contidas não necessariamente refletem as do site.




