Sebos de Curitiba guardam ‘relíquias’ que custam até R$ 5 mil e ajudam a manter vivas histórias que resistem ao tempo. Entre obras raras, destaca-se edição sobre teologia holandesa do século XVII e livro com poemas de Paulo Leminski. Nas prateleiras de sebos de Curitiba, verdadeiros tesouros encontram refúgio enquanto aguardam pela chance de poder, novamente, espalhar histórias mundo afora. Tesouros pela raridade e, também, pelo valor – apesar de os sebos serem conhecidos por venderem livros “mais baratos”, há peças na capital paranaense que variam de R$ 500 a R$ 5 mil.
Entre os títulos raros, está uma edição do livro sobre estudos bíblico “Voor Bereidselen Tot de Bybelsche Wysheid En Gebruik Der Heilige En K”, traduzido do holandês, “Preparações para a sabedoria bíblica e o uso das escrituras sagradas”. A obra, que está à venda em um sebo da capital por R$ 5 mil, foi escrita por Willem Goeree, considerado um dos importantes estudiosos do século XVII sobre teologia, história e arqueologia bíblica.
Outra obra rara que está em um sebo de Curitiba é o livro “Não fosse isso e era menos não fosse tanto e era quase”, do poeta curitibano Paulo Leminski. A edição de 1980, à venda por R$ 550, carrega os traços do estilo irreverente de Leminski, referência na poesia brasileira contemporânea. Outro exemplar, deste mesmo sebo, possui um valor histórico para a capital paranaense, tanto para pesquisadores, quanto para historiadores da geologia e do desenvolvimento urbano. Trata-se de um estudo de 1906 sobre a Constituição Geológica do Município de Curitiba. A obra, que mostra características sobre o planejamento da cidade, está à venda por R$ 1,8 mil.
O empresário Paulo Ricardo Simioni, proprietário do sebo onde estão os livros de Leminski e da constituição geopolítica, acredita que obras raras estarem em sebos sinaliza como leitores têm interesse em passar conhecimento para frente. “Felizmente a maioria das pessoas tem esta consciência que o livro tem a função de girar e não simplesmente ficar guardado numa estante podendo chegar às mãos de quem realmente gosta ou tem interesse por determinada obra,” diz o empresário.
O também proprietário de sebo, Itamar Esquina Navarro, cita outro motivo que pode levar livros famosos a pararem nos sebos: o descarte de “herdeiros”. “Normalmente são os herdeiros que acabam se desfazendo dos livros após a morte dos pais. São pessoas que querem se desfazer das obras e desconhecem o valor delas culturalmente”, explica. Em seu sebo, o empresário Itamar diz perceber públicos variados à procura de livros físicos – raros ou não. “Vendemos para leitores assíduos ou não, de todas as idades, estudantes, professores, historiadores ou interessados em um determinado assunto específico nas mais variadas áreas do nosso acervo,” comenta Itamar.
A presença dos sebos na capital paranaense, especialmente no Centro, torna a região um verdadeiro reduto de livros, como explica a professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutora em História Cultural, Marcella Lopes Guimarães. Em tempos em que livros digitais se popularizam cada vez mais, os sebos se somam à resistência para manter a cultura do livro físico viva. Para a professora, atualmente há espaços para todos os tipos de leitura, mas no caso dos livros físicos, há elementos que podem contribuir para uma experiência “a mais” do público. “Quando a gente pensa no livro impresso, ele pode oferecer experiências além da leitura, que certamente é a experiência mais importante. Nós podemos ter, por exemplo, capas maravilhosas, artísticas. Eles podem ser livros preciosos. Ou a gente pode ter outro conteúdo simbólico pro livro impresso, o livro como artefato que contém uma série de sentimentos, como essa edição da poeta Florbela Espanca, que pertenceu ao meu pai. O meu pai se foi a sete anos atrás e esse foi presente que eu dei pra ele, e hoje esse livro, com a sua materialidade, mora aqui na minha casa.”