Terríveis relatos de ucranianos vivendo sob ocupação russa; medo de cedência de territórios por Trump

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Ucranianos descrevem vida em áreas ocupadas pela Rússia

Moradores de regiões controladas pelo Exército russo temem que territórios sejam
cedidos em negociações de Trump

Questionada sobre o motivo pelo qual ela e outros ucranianos optaram por
continuar vivendo sob ocupação russa em vez de fugir, a mulher hesitou por um
momento.

“Não sei explicar o sentimento”, disse ela. “É como se você simplesmente não
conseguisse acreditar que o mal pudesse vencer. Mesmo depois de três anos, as
pessoas não conseguem acreditar que chegou a hora. Elas ainda acreditam que a
ocupação vai acabar. É por isso que continuam aqui e não fogem.”

A mulher, membro do grupo de resistência feminino Zla Mavka, mora em uma cidade
no sudeste da Ucrânia que caiu sob controle russo poucos dias depois de Moscou
lançar sua invasão em larga escala em fevereiro de 2022.

Zla Mavka – que se traduz como Mavka Furiosa, um espírito feminino da floresta
no folclore ucraniano – se envolve apenas em atividades não violentas. Mas
participar de qualquer forma de protesto e falar com a mídia ocidental é
extremamente perigoso, e é por isso que a CNN não divulgará o nome ou a
localização da mulher.

Ela disse à CNN que a vida sob ocupação russa é exaustiva e incrivelmente
assustadora.

“Você pode ser preso por qualquer coisa. Você tem que se preocupar com tudo.
Você tem que verificar seu telefone, tem que verificar o que tem em seu
apartamento, tem que esconder muitas coisas, não pode dizer o que está pensando
e não pode confiar em ninguém”, disse ela.

O presidente dos EUA, Donald Trump, deixou claro que quer o fim da guerra na
Ucrânia, mesmo que isso signifique mais perdas territoriais para Kiev. Trump afirmou ser
“improvável” que a Ucrânia recupere todo o seu território pré-guerra, afirmando:
“(A Rússia) tomou muitas terras, lutou por elas e perdeu muitos soldados.”

Isso pode incluir a cidade natal da mulher do Zla Mavka.

“As pessoas no exterior sempre falam sobre territórios e talvez se esqueçam de
que não se trata apenas de territórios. Trata-se de pessoas. E as pessoas aqui
ainda estão esperando. As pessoas não se mudaram e não querem se mudar. E por
que (deveriam) ter que se mudar de suas casas?”, questionou a mulher.

As forças russas ocupam atualmente quase um quinto do território ucraniano, lar
de cerca de 6 milhões de pessoas, incluindo 1 milhão de crianças, que vivem no que as Nações Unidas descreveram
como uma “situação sombria de direitos humanos”.

Stepan, um ucraniano de 22 anos que recentemente escapou de uma área ocupada no
sul da Ucrânia para Kherson, que está sob controle de Kiev, vivenciou em
primeira mão o que as forças de ocupação são capazes de fazer.

Stepan e seus pais foram detidos por tropas russas no verão de 2022. Ele ficou
preso por duas semanas e foi repetidamente espancado e torturado com
eletrocussão. Seus pais ficaram presos por vários meses.

Nenhum membro da família jamais foi informado do motivo da detenção. Eles nunca
foram condenados ou acusados de qualquer crime.

Quando Stepan foi libertado, ele foi separado do restante da família. Ele acabou
na margem esquerda do rio Dnipro, ainda ocupado pela Rússia. Sua mãe, Olha,
conseguiu escapar para uma área controlada pelo governo após ser libertada na
primavera de 2023.

“Eu estava com muito medo”, disse Stepan sobre o período em que viveu sob
ocupação. “Sempre que saía, olhava ao redor para ver se eles estavam lá para me
levar de novo ou fazer algo comigo. Eu não saía de casa se não precisasse. Era
assim todos os dias”, disse ele à CNN.

Stepan teve sorte – conseguiu escapar e se reencontrou com sua família no mês
passado. Ele foi trazido de volta graças a um “esforço coordenado” que envolveu
os “Anjos”, uma unidade de forças especiais ucranianas que resgata pessoas
vulneráveis de territórios ocupados, de acordo com Roman Mrochko, chefe da
Administração Militar da Cidade de Kherson. Stepan e sua família disseram que
não estavam autorizados a compartilhar detalhes da operação.

CONSEQUÊNCIAS TERRÍVEIS

Tanto Stepan quanto a integrante do Zla Mavka disseram que mesmo a menor
suspeita de ser “pró-Ucraniano” pode ter consequências terríveis para as pessoas
que vivem sob ocupação.

“Meus amigos e conhecidos eram frequentemente levados porque não queriam obter
um passaporte russo ou por não se registrarem para o serviço militar. Eles eram
levados e trazidos de volta uma semana depois com braços e pernas quebrados, às
vezes cabeças. Eram muitos, estamos falando de dezenas de pessoas”, disse
Stepan.

Grupos de direitos humanos afirmam que Moscou intensificou sua campanha para
“russificar” a Ucrânia ocupada nos últimos meses, provavelmente para reivindicar
as áreas em qualquer futura negociação de paz.

“Eles tentam remover tudo o que é ucraniano da nossa cidade, da língua às
tradições”, disse a integrante do Zla Mavka, acrescentando que uma de suas
missões é manter a cultura ucraniana viva sob ocupação.

“Estamos divulgando poemas ucranianos e obras de autores ucranianos, e
(celebrando) feriados ucranianos, os tradicionais, só para lembrar a todos que
esta não é a Rússia, nunca foi e nunca será”, disse ela.

Ela descreveu viver na cidade como “entrar em uma máquina do tempo e voltar à
União Soviética”.

“Há propaganda, monumentos de estilo soviético e feriados soviéticos, e estamos
sempre esperando em filas, como nos tempos soviéticos, para obter ajuda, ir ao
médico ou obter documentos. É preciso esperar nessas longas filas e não há lojas
comuns, nem marcas… apenas coisas que se compram em mercados de rua e alguns
produtos chineses estranhos.”

As autoridades russas vêm apagando meticulosamente a identidade nacional, a
religião e a língua ucranianas na Ucrânia ocupada. Organizaram referendos
fraudulentos sobre a adesão à Rússia e forçaram a população local a se tornar
cidadã russa.

No mês passado, o presidente russo, Vladimir Putin, assinou um novo decreto
ordenando que os cidadãos ucranianos que vivem nessas áreas “regulamentem seu
status legal” adotando a cidadania russa. De acordo com o decreto, aqueles que
não o fizerem até setembro se tornarão estrangeiros e só poderão permanecer por
um período limitado.

Mas Moscou já coagiu muitos ucranianos a aceitar passaportes russos, pois a vida
é quase impossível e muito perigosa sem eles.

Aqueles que não possuem documentos russos enfrentam a ameaça diária de prisão e
deportação para a Rússia, não têm direito ao trabalho, não têm acesso nem aos
serviços de saúde ou pensões mais básicos e são impedidos de possuir
propriedades.

“Você não pode nem chamar uma ambulância sem (um passaporte russo). Se você não
tiver um passaporte russo, a ambulância não virá”, disse a mulher da
resistência.

Ativistas de direitos humanos têm repetidamente afirmado que Moscou está
violando o direito internacional ao forçar a população ucraniana a adotar
passaportes russos.

“E então o grande problema para os homens, os homens que (foram forçados a
obter) passaportes russos, agora estão tentando mobilizá-los para o Exército
Russo. Eles querem forçá-los a lutar contra seu próprio povo”, acrescentou a
mulher.

O RISCO DE TENTAR SAIR

Milhões de ucranianos se recusam a deixar suas casas em territórios ocupados – a
maioria porque ainda acredita que Kiev, com a ajuda de seus aliados ocidentais,
eventualmente libertará todas as suas terras.

Há também alguns que simpatizam com a Rússia e estão felizes com o novo regime –
embora tanto a mulher do Zla Mavka quanto Stepan tenham dito acreditar que essa
seja apenas uma pequena minoria.

“Muitas vezes, são pessoas que não tinham uma vida muito boa antes. Por exemplo,
não tinham educação e não tinham um bom emprego, mas agora, se gritarem em voz
alta ‘Eu amo a Rússia’, conseguirão um emprego no governo, receberão ajuda e
dinheiro da Rússia”, disse a integrante do Zla Mavka.

A SOS Donbass, uma linha de ajuda ucraniana para pessoas que vivem em
territórios ocupados e zonas de combate, recebeu mais de 57.500 ligações no ano
passado. Violeta Artemchuk, diretora da organização, disse que a maioria das
pessoas pede conselhos sobre como sair com segurança, como obter ajuda e quais
são as implicações de permanecer e ser forçado a tirar um passaporte russo.

As autoridades ucranianas têm repetidamente orientado as pessoas nas áreas
ocupadas a fazerem o que for preciso para se manterem seguras.

“Se você precisar de alguns documentos, peça. Isso não muda seu status”, disse
Heorhii Tykhyi, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, após o anúncio
do decreto que exige que ucranianos em territórios ocupados se tornem cidadãos
russos.

Tykhyi disse que “a melhor solução, se possível, é partir para o território
controlado da Ucrânia”.

Mas, para muitos, sair é impossível porque é muito perigoso, muito caro e muito
trabalhoso.

“Teoricamente, é possível sair, mas é preciso passar por uma triagem”, disse a
mulher do Zla Mavka, referindo-se a um processo de triagem de segurança
conduzido pelas forças russas em todas as saídas das áreas ocupadas.

“Eles estão verificando tudo lá, então… digamos que haja uma mulher cujo marido
foi soldado em 2014, e se eles descobrirem, ela terá um grande problema, então,
para ela, é mais seguro nem tentar. Mas pode ser qualquer coisa, como um
comentário nas redes sociais, algo no seu celular, eles podem simplesmente
prendê-la e deportá-la para a Rússia”, disse ela.

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