Terra da Gente ‘marca encontro’ com topázio-de-fogo
Beija-flor é encontrado em região muito específica do Norte do Brasil e parece “marcar hora” com os observadores que buscam registrá-lo.
Numa floresta continental como a Amazônia, de que forma encontrar uma ave de 16 centímetros? Parece uma tarefa difícil, certo? Mas a equipe do DE praticamente marcou um encontro com ela. Não é exagero afirmar isso.
Durante os dias em que ficou na mata, na região de Manacapuru, nossa equipe pode acompanhar de perto o comportamento deste beija-flor, o topázio-de-fogo (Topaza pyra), um dos maiores beija-flores do Brasil e que aparece sempre no mesmo lugar, e no mesmo horário.
O grupo de observadores se senta, afinal, estão esperando por um espetáculo. Até os artistas aparecerem no palco, Priscilla conta algumas características da espécie.
Equipe do DE flagra ensaio de leque entre machos do topázio-de-fogo — Foto: Marcelo Moraes
Para registrar essa joia, nossos repórteres saíram da pousada por volta das 4 da manhã. Por orientação da ornitóloga Priscilla Diniz, era preciso chegar às margens do igarapé perto dali, antes do dia amanhecer. Ela já acompanha alguns indivíduos da espécie neste ponto há algum tempo.
> “O topázio-de-fogo é maior que o tesourão, muito conhecido no Sudeste. Ele é nativo dessa região, é um beija-flor amazônico, que vive em floresta, que tende sempre a procurar esses cursos d’águas pequenos”, detalha.
“Eles gostam de fazer exibições reprodutivas e também constroem ninhos perto de igarapés”, completa.
Priscilla comenta ainda que eles costumam aparecer bem no momento do amanhecer. Depois, com o sol mais alto, logo eles vão embora. Ou seja, a aparição é muito rápida.
“Não existe nenhuma comprovação ainda, mas eu acredito que o reflexo deles na água tem alguma influência naquilo que eles esperam mostrar para a fêmea. A gente vê o reflexo perfeito na água”.
Quando o sol começa a brilhar com seus primeiros raios, um barulho quebra o silêncio desta espera e um vulto entre as árvores anuncia: o espetáculo vai começar.
Cores do topázio-de-fogo impressionam pelo tom revelado com a iridescência — Foto: Marcelo Moraes
O beija-flor vai de um lado para o outro. É um verdadeiro “baile” conseguir gravá-lo. A fêmea pousa bem diante das lentes do TG e fica ali por alguns instantes. Logo some, e volta, e nesse vai e vem, nossos observadores, em êxtase, param para contemplar esse momento especial.
O macho também pousa e permite que o vejamos em detalhes. A distribuição de cores impressiona.
“Todos os beija-flores que não são florestais tendem a apresentar esse fenômeno de iridescência. Dependendo de como você olha e de como a luz bate na pena, a gente enxerga cores diferentes. O topázio-de-fogo, se não tiver totalmente iluminado, parece totalmente preto. À medida que a luz vai mudando e você vai se mexendo, você começa a enxergar o vermelho. Quando ele quer, ele estica a garganta e mostra vários tons de verde, amarelo e laranja. Se ele estiver de costas, você não vê absolutamente nada, tudo preto”, explica com exatidão a ornitóloga.
Muitas pessoas confundem o topázio-de-fogo com outro beija-flor da região amazônica: o beija-flor-brilho-de-fogo (Topaza pella).
Topázio-de-fogo é muito confundido com o beija-flor-brilho-de-fogo — Foto: Priscilla Diniz / Arte: Terra da Gente
Além da diferença geográfica entre eles, outras características podem ser observadas para a identificação.
> “As próprias cores se diferem, apesar dos dois terem predominância de vermelho no macho. O brilho-de-fogo não tem a cabeça completamente preta, diferente do topázio-de-fogo, onde o preto se estende na parte inteira da cabeça, na parte de trás. Tem uma diferença também na cauda, enquanto o brilho-de-fogo tem umas peninhas avermelhadas na cauda, o topázio-de-fogo não tem, é um preto azulado. É sutil e difícil de notar em campo, mas o brilho deles também é diferente. As fêmeas são bem parecidas, as diferenças são mais sutis que nos machos”, afirma Priscilla.
Outra “regra” para ajudar na identificação é que um rio divide essas duas espécies na região de Manaus.
“Na margem esquerda do Rio Negro, próxima à Manaus, a gente consegue observar o brilho-de-fogo. Se a gente atravessa o Rio Negro e vem aqui para Manacapuru, que está na margem direita, a gente já observa o topázio-de-fogo”, exemplifica a ornitóloga.
O topázio-de-fogo realiza o que os biólogos chamam de leque, que se trata de uma espécie de “dança” entre machos para atrair a fêmea.
“A gente tem pouco conhecimento sobre o estilo de leque reprodutivo dessa espécie. A primeira descrição foi feita exatamente sobre o leque neste ponto, mas é preciso que mais pessoas, mais biólogos, mais especialistas em comportamento, desenvolvam estudos longos e entendam o que realmente está acontecendo. O que a gente sabe é que é um leque de exibição em busca de parceiros sexuais”, afirma.
Espécie tem ponto onde sua visualização é certa — Foto: Marcelo Moraes
Nossa equipe foi tão privilegiada durante esse encontro que teve a oportunidade de ver dois machos ensaiando um desses momentos. Eles fazem barulho, piam, batem as asas, parece até uma briga.
“Parece uma discussão, mas pode ser também que um precise do outro e que a exibição sempre dependa de mais de um macho, presente no mesmo momento, vocalizando, se mostrando, talvez pra chamar atenção da fêmea que está longe, fazer mais barulho”, pontua Priscilla.
Depois deste momento, as aves simplesmente desaparecem na mata. Fim do show.
“Ele é pontual, uma horinha de show e acabou. Ele tem um intervalo, entre 6 e 7 da manhã, é garantia de que ele vai passar por aqui, se ele vai dar realmente um show é questão de sorte”, comemora.
Um espetáculo que desperta sempre as mesmas reações do público: deslumbramento e a certeza de que, na natureza, sempre há muito o que se descobrir.