Entenda como o RJ quer usar o Maracanã para pagar dívida com a União e o que dizem especialistas
Projeto aprovado por comissão da Alerj inclui o estádio na lista de imóveis que o governo estadual pretende vender para reduzir a dívida com a União, mas proposta ainda precisa ser votada no plenário. Especialistas divergem sobre a legalidade da medida.
Venda do Maracanã pode ter relação com próximas eleições
O Governo do Rio de Janeiro quer usar o Complexo do Maracanã — um dos maiores símbolos esportivos do país — como ativo financeiro para abater parte da dívida bilionária do estado com a União.
O estádio foi incluído em uma lista de 62 imóveis que poderão ser vendidos para levantar recursos e permitir a adesão do estado ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), do governo federal.
O projeto foi aprovado na última quarta-feira (22) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), mas ainda precisa ser votado no plenário, onde pode sofrer alterações.
A dívida do Rio com a União ultrapassa os R$ 190 bilhões, segundo a proposta orçamentária de 2026, e a previsão é que o estado pague cerca de R$ 12 bilhões no próximo ano.
O governo espera arrecadar parte desse valor com a venda dos imóveis, o que ajudaria a reduzir o déficit orçamentário estimado em R$ 19 bilhões para 2026. A ideia é usar bens públicos — como o Maracanã, a Aldeia Maracanã, o Batalhão da PM da Tijuca e imóveis da Uerj — para amortizar parte da dívida e garantir a entrada no novo programa de ajuste fiscal.
O Propag, criado pela União, permite que estados endividados utilizem ativos públicos para quitar débitos e reduzir juros. O programa substitui o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e prevê contrapartidas, como destinar economias obtidas com juros à educação, moradia e segurança pública.
A inclusão do Complexo do Maracanã na lista foi aprovada pela CCJ da Alerj, que alterou o projeto enviado pelo governador Cláudio Castro (PL). A comissão retirou 16 imóveis da proposta original e incluiu 30 novos, entre eles o estádio e a Aldeia Maracanã.
Segundo o presidente da comissão, Rodrigo Amorim (União Brasil), o objetivo é reduzir gastos com imóveis subutilizados e “garantir uma destinação adequada ao Maracanã”.
O deputado Alexandre Knoploch (PL), relator da proposta, reforça que o projeto busca dar viabilidade financeira ao estádio e revitalizar o entorno.
Maracanã na lista de imóveis à venda
A venda do Maracanã também se insere em um tabuleiro político complexo. A proposta é vista por parlamentares como um movimento estratégico do presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar (União Brasil), pré-candidato ao governo do estado em 2026.
Segundo Rodrigo Amorim, a ideia de incluir o estádio surgiu após uma reunião com Bacellar e o presidente do Flamengo, Luiz Eduardo Batista (Bap). Deputados avaliam que transformar o Maracanã em um ativo rentável pode render dividendos políticos.
A disputa também envolve o prefeito Eduardo Paes (PSD), que ajudou o Flamengo a adquirir o terreno do Gasômetro, na Zona Portuária, para construir seu próprio estádio.
Caso o clube desista do projeto e opte por comprar o Maracanã, Bacellar sairia fortalecido na disputa eleitoral contra Paes.
O estádio, que pertence ao governo do estado, está atualmente sob concessão do consórcio formado por Flamengo e Fluminense até 2044. O contrato prevê outorga anual de R$ 20 milhões ao estado e investimentos de R$ 186 milhões pelos clubes ao longo de 20 anos.
O projeto aprovado pela CCJ não detalha como ficaria a venda de um imóvel já concedido, mas prevê que, em caso de alienação, caberá ao comprador negociar com o ocupante ou promover a desocupação — sem ônus para o governo.
O texto também menciona que ocupantes regulares há mais de 1 ano podem ter direito de preferência na compra, o que abre brecha para interpretação favorável ao consórcio Fla-Flu.
Especialistas em Direito Público e Administrativo ouvidos pelo G1 divergem dos deputados sobre a legalidade da venda de um bem público atualmente concedido.
O advogado Mauro dos Anjos, especialista em Gestão Pública, explica que a venda é possível, mas apenas se cumpridas exigências formais, como autorização legislativa, avaliação patrimonial e desafetação do bem público.
Durão também avalia que, se não houver estudo técnico prévio demonstrando a viabilidade jurídica e econômica da operação, a inclusão do estádio na lista de bens à venda pode ser contestada judicialmente.
Riscos após eventual venda
Apesar de o projeto abrir caminho para a alienação do Maracanã, especialistas alertam que a medida envolve desafios jurídicos e riscos patrimoniais para o estado do Rio.
Segundo eles, a operação só seria viável se fosse observada uma série de exigências legais e contratuais, sob risco de judicialização e prejuízo financeiro.
“Uma venda mal estruturada poderia gerar litígios, afastar investidores e até elevar o passivo do estado, caso sejam devidas indenizações ao concessionário atual. Portanto, a estratégia pode ser financeiramente positiva em tese, mas depende de uma modelagem jurídica sólida e de amplo diálogo com os atuais operadores do estádio.”
 
				 
															



