Como é o cotidiano no condomínio onde duas idosas vivem em meio à demolição
Sem unanimidade sobre desocupar os prédios em que vivem em uma área nobre de Fortaleza, moradores convivem sob tensão e reivindicam interesses diferentes enquanto os edifícios estão praticamente vazios.
Duas idosas que moram em um bairro nobre de Fortaleza, pertinho do mar, estão vivendo um impasse com uma construtora. Duas idosas que moram em um bairro nobre de Fortaleza, pertinho do mar, estão vivendo um impasse com uma construtora.
A falta de consenso sobre o futuro de um condomínio no Meireles, na área nobre de Fortaleza, resulta na animosidade entre vizinhos, impasse jurídico e uma demolição suspensa. É nesse contexto onde vivem as aposentadas Marta dos Santos, 78, e Maria Elisier Balidas, 84, as duas proprietárias contrárias à proposta de deixar o local.
As idosas são as únicas a habitar o espaço com um total de 24 apartamentos construídos na década de 1970, com cerca de 150 m², em três pavimentos com escadas. Para lá, a Construtora Reata Arquitetura tem um projeto para construção de um prédio com 21 andares e 63 apartamentos, nomeado de Vila Alba.
Em 2017, a empresa começou a negociar com os proprietários do condomínio formado pelos blocos Kátia e Ângela. O acordo garante aos proprietários um apartamento com 123,27 m² no residencial, além de uma ajuda de custo para aluguel de R$ 2,5 mil em 20 parcelas. Caso seja executado, o prédio terá comodidades como elevadores, academia, salão de festas e piscina. Mas permanecer no lar onde famílias cresceram ou partir para algo moderno não é um consenso entre os proprietários.
Marta dos Santos vive no lugar há quase 15 anos e, mesmo sem querer deixar o espaço, evita conflitos com os vizinhos. Entre os motivos do desejo pela permanência está a proximidade com a praia. “É maravilhoso. Para mim, o mar é sagrado”, resume. Dentro do lar, também existe um santuário – criado no vão de dependência – com imagens católicas e um altar.
O apego ao espaço também acontece devido às telas, pintadas por ela, espalhadas pelo apartamento. “Eu acho que a pintura, a arte, sempre eleva a gente, né? Eu tenho prazer em fazer isso”, compartilha sobre o que traz tranquilidade para a rotina. A varanda da casa é colorida pelas plantas que cuida diariamente e a cozinha está sempre pronta para oferecer algo aos filhos quando chegam de visita. “Tem quase 20 anos que eu moro aqui, né? Então, é difícil ter que sair. Mas é a vida, né? Agora, se vão desmanchar todo o condomínio para fazer algo maior”, reflete.
Diante disso, em janeiro deste ano, começou um processo de demolição interna realizada de forma individual por cada morador que já decidiu aceitar o acordo com a corretora. A maioria das moradias estão com as paredes quebradas, portas, janelas e móveis planejados arrancados. Na rotina, quase não há carros estacionados e um funcionário acompanha o pouco fluxo de pessoas. Ao se encontrarem, moradores com opiniões distintas, trocam palavras sobre a necessidade de chegar a uma decisão final. A poucos passos da Avenida Beira Mar, o metro quadrado do lugar é o mais valioso da capital cearense. Marta dos Santos vive no lugar há quase 15 anos e, mesmo sem querer deixar o espaço, evita conflitos com os vizinhos. Entre os motivos do desejo pela permanência está a proximidade com a praia. “É maravilhoso. Para mim, o mar é sagrado”, resume. Dentro do lar, também existe um santuário – criado no vão de dependência – com imagens católicas e um altar. “Às vezes eu reconheço que agora estou sozinha demais. Daí eu venho para cá, converso com Ele, que para mim é o dono do Mundo. Eu até choro de emoção. Aqui é o meu cantinho da paz, entendeu”, diz Marta.
Barulho e abandono
Apartamentos dos edifícios estão com sinais de demolição, em Fortaleza. Acompanhar esse processo de demolição é dolorido, como considera a moradora, é algo que “toca o coração”. Nesse contexto, a vontade de dona Marta é manter a mesma rotina e no mesmo lugar. “Eu não posso esperar que faça outro prédio, outra coisa. Não posso, por mais lindo e maravilhoso que seja, não posso esperar. Por causa da minha idade. Por causa do meu tempo, né?”, avalia Marta.
Já para Maria Elisier, com maior dificuldade de locomoção, a maior parte do tempo é dentro do apartamento onde vive com o filho. Aos 84 anos, deslizou na poeira gerada pelo processo de demolição. “Eu fui andando de tênis, dei uma escorregada tão grande que eu só não caí porque tinha uma coluna para eu segurar. Era cheio de areia, pedra, entulho e madeira no meio”, lembra. Além disso, as marteladas causavam um desconforto cotidiano. “Liguei pra minha filha, disse que não aguentava a dor de cabeça. Eles começam cedo, assim, logo após o café”, destaca. A obra foi suspensa por determinação judicial após recurso do advogado que representa as duas idosas. Com o cenário de abandono dos moradores, dona Elisier deixou de receber a visita de amigas que, no telefone, indicaram o receio de ir ao lugar. “Ficou tudo em escombro mesmo. Não tem segurança nenhuma. Até o vigia tem medo de ficar lá por aqui.”
Os moradores, a favor da demolição, consideram a falta de acessibilidade como um dos principais argumentos para as mudanças na estrutura. É o caso da aposentada Heloísa Ribeiro, que chegou ao lugar há 38 anos. “Eu fui intimada pelos meus filhos porque eu já não estava com idade para eu subir escada, levar compras e não tinha elevador. É impossível colocar um elevador aqui com a construção que foi feita, não tem como”, reforça Heloísa. Para ela, a proposta da empresa foi favorável, considerando a qualidade de vida. “Até a pessoa que morava no apartamento acima do meu, que tem 90 e poucos anos, foi obrigada a sair porque teve problema de joelho e não dava mais para subir”, exemplifica.
No entanto, a idosa residente, Maria Elisier, não aceitou a proposta de vender o apartamento por R$ 450 mil por não conseguir se mudar para um lugar próximo com esse valor. “Não dava pra nada, nem pra comprar um apartamentinho em outro, em outro bairro distante. E vou receber com quantos anos? 100 anos?”, questiona. Sem uma solução fácil, a idosa se sente impotente. “(Espero) que eles tenham um bom senso, né? Nos paguem o dinheiro que possa comprar outro apartamento”, conclui.