Vidal Assis faz resplandecer o lirismo melódico e poético do samba de Elton
Medeiros em belo e estrelado álbum
Chico Buarque, João Bosco e Paulinho da Viola estão no songbook em que o cantor
apresenta parcerias inéditas do compositor de ‘Mascarada’ e ‘Peito vazio’.
1 de 2 Vidal Assis é parceiro de Elton Medeiros (1930 – 2019) em músicas
inéditas do álbum ‘Negro samba lírico’ — Foto: Leo Martins / Divulgação Kuarup
Vidal Assis é parceiro de Elton Medeiros (1930 – 2019) em músicas inéditas do
álbum ‘Negro samba lírico’ — Foto: Leo Martins / Divulgação Kuarup
♫ OPINIÃO SOBRE ÁLBUM
Título: Negro samba lírico – Vidal Assis canta Elton Medeiros
Artista: Vidal Assis
Cotação: ★ ★ ★ ★
♬ Negro samba lírico é o título mais apropriado para o álbum que o cantor Vidal Assis lança amanhã, 14 de novembro, em CD e em edição digital da gravadora Kuarup. O nome é perfeito porque, no disco, Vidal dá voz aveludada e extremamente afinada ao samba do compositor carioca Elton Medeiros (22 de julho de 1930 – 3 de setembro de 2019), nascido há 95 anos e falecido há seis.
Extraordinário melodista, Elton tinha habilidade para encadear notas musicais e, com elas, gerar sambas maviosos de beleza rara e potencializada pelo lirismo dos versos de parceiros poetas e/ou letristas do naipe de Cartola (1908 – 1980), Paulinho da Viola e Zé Ketti (1921 – 1999), também eles criadores de melodias excepcionais.
Um desses parceiros poetas, mas não melodista, é Hermínio Bello de Carvalho, idealizador com Vidal Assis deste songbook estrelado de Elton Medeiros em que o politizado Vidal enfatiza o lirismo da arte negra em contraponto a uma visão eurocentrista que associa a sofisticação e o arrebatamento artístico sobretudo à produção dos musicistas brancos europeus.
Negro samba lírico – Vidal Assis canta Elton Medeiros é o segundo álbum do cantor e compositor carioca de 40 anos. O primeiro, Álbum de retratos (2016), foi lançado há nove anos.
Luxuoso, o time de convidados do songbook de Elton inclui gigantes como Chico Buarque, João Bosco e o próprio Paulinho da Vila. Esse time valoriza o álbum Negro samba lírico, mas basta ouvir a abordagem de Peito vazio (Elton Medeiros e Cartola, 1974) – em gravação em que resplandece o toque do bandolim de Maycon Julio – para perceber que Vidal Assis se garante sozinho.
É fato que algumas gravações, como a do sublime samba Onde a dor não tem razão (Elton Medeiros e Paulinho da Viola, 1981), tangenciam demais os registros originais (no caso, o feito pelo próprio Paulinho em álbum de 1981).
Por outro lado, o canto preciso de Mascarada (1964) – obra-prima da parceria Elton com Zé Ketti – evidencia que Vidal em nada fica a dever à gravação feita por um dos maiores cantores do Brasil, Emilio Santiago (1946 – 2013), para o álbum Aquarela brasileira 5 (1992). Tanto que, quando entra a voz já fanhosa de Chico Buarque, há quebra de clima que acentua o desnível entre o canto do anfitrião e o canto do convidado, de presença ainda assim emblemática na faixa.
João Bosco foi mais diferença como violonista e cantor na gravação de Pressentimento (Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho, 1968). O violão singular de Bosco é o único instrumento do fonograma.
Faixa já apresentada em single que anunciou o álbum em 19 de setembro, Folhas no ar (1965) – samba menos conhecido de Elton com Hermínio lançado há 60 anos pela cantora Elizeth Cardoso (1920 – 1990) no álbum Elisete sobe o morro (1965) – reitera o lirismo das letras e melodias do cancioneiro de Elton em gravação que junta Vidal Assis com Paulinho da Viola.
Além da ficha técnica estelar, o álbum Negro samba lírico também tem valor adicional por apresentar músicas inéditas de bom nível, casos de Um amor singular – parceria de Elton com Vidal Assis e Ronaldo Bastos – e de Colhendo imagens (Elton Medeiros e Vidal Assis).
Em Colhendo imagens, os versos “Mas é na noite também que ainda choro por ela /
Dissolvendo as imagens que um dia eu guardei no olhar / E assim faço as tintas
da dor / E meu peito é a tela / Onde insisto em traçar / O perfil da saudade e o
desejo de vê-la voltar” aludem poeticamente à perda da visão que acometeu Elton
Medeiros nos últimos anos de vida do compositor.
Se Moema morenou (Elton Medeiros e Paulinho da Viola, 1981) faz o álbum entrar
na roda do samba-chula da Bahia, com as palmas de Munique Mattos e o arsenal
percussivo de Magno Julio (agogô, congas, pandeiro, prato e reco-reco), A
maioria sem nenhum (Elton Medeiros e Mauro Duarte, 1966) faz a cuíca chorar para
denunciar a injustiça social em discurso turbinado com a récita, no compasso do
rap, do poema Como eu quero ser lembrado, do próprio Vidal. A ativista Bia
Ferreira participaria da faixa, mas ficou fora do disco por questões
contratuais.
Na mesma linha política, mas sob outro prisma, o inédito samba-canção Navegações
– letrado por Nei Lopes a partir da melodia construída por Elton e Vidal –
propõe outro olhar para a colonização dos países da América Latina por nações
europeias.
Música que há quase 30 anos deu título a álbum do compositor enfocado no
songbook, Mais feliz (Elton Medeiros, Carlinhos Vergueiro e Paulo César Feital,
1996) realça o brilho do já mencionado bandolim de Maycon Júlio – instrumento
recorrente no disco – em gravação que junta as vozes de Vidal Assis e Ayrton
Montarroyos, grande cantor de alma antiga, afinado com a nostalgia da letra de
Paulo César Feital.
Há também nostalgia no desalento afetivo que pauta Baile dos amores, inédita
surgida de melodia de Elton e Cristovão Bastos letrada por Vidal. O piano de
Cristovão é o único instrumento da faixa, mas, na maior parte do álbum, quem dá
o fino acabamento instrumental é o Trio Julio, formado por Magno Julio
(percussões), Marlon Julio (violão de sete cordas) e Maycon Julio (cavaquinho).
Também em tom melancólico, o inédito samba-choro Iluminada – composto por Elton
com Vidal e gravado pelo cantor com Beatriz Rabello – presta reverência na letra
ao compositor Valzinho (1914 – 1980) e à cantora Zezé Gonzaga (1926 – 2008), voz
da era do rádio.
No arremate do álbum, O sol nascerá (Elton Medeiros e Cartola, 1964) faz raiar a
esperança no horizonte com o lirismo que rege as 14 gravações deste excelente
Negro samba lírico. Ainda que nem todas as melodias inéditas façam frente ao já
conhecido cancioneiro de Elton Medeiros, o nível é sempre bom. Vidal Assis
apresenta songbook à altura do compositor.
2 de 2 Capa do álbum ‘Negro samba lírico – Vidal Assis canta Elton Medeiros’, de
Vidal Assis — Foto: Diego Lima com arte gráfica de Rosana de Alencar
Capa do álbum ‘Negro samba lírico – Vidal Assis canta Elton Medeiros’, de Vidal
Assis — Foto: Diego Lima com arte gráfica de Rosana de Alencar




