Vítimas expostas: Justiça divulga dados sigilosos de mulheres e crianças em mandados de prisão

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Vítimas expostas: como o DE descobriu que Justiça divulgou nomes de crianças e mulheres vítimas de estupro e violência doméstica

Durante três meses, o DE analisou 123 mil mandados de prisão e encontrou 120 com nomes de vítimas de estupro e violência doméstica. Reportagem usou inteligência artificial e checou manualmente os casos para encontrar as violações de sigilo

Contra a lei, Justiça expõe dados pessoais de mulheres e crianças vítimas de violência [Imagem]

Uma reportagem do DE mostrou que nomes de 120 vítimas de estupro e agressões, a maioria mulheres e crianças, foram expostos pela Justiça brasileira em mandados de prisão.

A divulgação desses nomes contraria a legislação e, segundo especialistas, representa uma nova violência contra as vítimas.

Veja, abaixo, como o DE produziu a reportagem.

COLETA DE DADOS DE MANDADOS DE PRISÃO

Para descobrir que nomes de vítimas estavam sendo expostos, o DE baixou dados das ordens de prisão disponibilizados pelo Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP).

O BNMP é um sistema mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e alimentado pelos tribunais de todo o país. O objetivo é ajudar as polícias a prender as pessoas procuradas por crimes.

Os dados foram extraídos do BNMP por meio de uma funcionalidade do sistema que permite baixar informações de vários mandados ao mesmo tempo, sem necessidade de consulta de um a um.

Com os 123 mil mandados em mãos, o DE selecionou apenas aqueles relacionados a crimes em que, por lei, o nome da vítima deve ser mantido em sigilo. A triagem resultou em cerca de sete mil casos, envolvendo crimes como estupro, estupro de vulnerável, assédio sexual, importunação sexual, divulgação de cena de estupro ou pornografia e violência doméstica contra crianças e adolescentes.

IDENTIFICAÇÃO DE MANDADOS COM EXPOSIÇÃO DE VÍTIMAS

Em seguida, o DE analisou os sete mil casos para identificar aqueles que continham nomes de vítimas. Para isso, utilizou uma ferramenta de Inteligência Artificial (IA) capaz de apontar, dentro desse volume de documentos, os que tinham maior chance de expor dados sensíveis.

A IA indicou cerca de 400 casos, que foram revisados manualmente um a um. Além disso, o DE também realizou buscas diretas por nomes dentro do mesmo conjunto de documentos.

Essa etapa complementar levou à identificação de 120 mandados de prisão com exposição de vítimas, distribuídos entre os estados brasileiros, com exceção de São Paulo e Tocantins, cujos mandados não estavam acessíveis à reportagem.

CNJ LIMITA ACESSO A DADOS SOBRE MANDADOS DE PRISÃO

Desde as eleições municipais de 2024, o DE tem solicitado ao CNJ o acesso completo aos dados disponíveis no BNMP. Na época, a equipe buscava ampliar a análise de uma reportagem que mostrou que alguns candidatos disputavam as eleições mesmo sendo alvos de mandados de prisão em aberto.

O CNJ negou o acesso. Com isso, foi necessário fazer uma análise manual de cada mandado para extrair dados como CPF e RG dos procurados, a fim de cruzá-los com a base de candidatos do Tribunal Superior Eleitoral (STF).

No início deste ano, uma nova apuração revelou que servidores federais estavam no mesmo banco de procurados da Justiça e, mesmo assim, continuavam trabalhando normalmente em seus cargos. Alguns deles atuavam em órgãos públicos enquanto eram considerados foragidos.

Atoji também critica o argumento do CNJ de que a LGPD impediria a divulgação de CPFs. Segundo ela, o CPF é um dado cadastral, e não sensível, o que significa que não há impedimento legal para seu uso controlado em bases públicas.

Ela defende que, em vez de ocultar totalmente o CPF, o ideal seria aplicar o chamado “mascaramento”, ou seja, divulgar apenas parte do número, de forma a permitir a distinção entre nomes semelhantes, sem expor o dado completo.

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