Agentes invisíveis: voluntários complementam assistência a migrantes quando o poder público não os alcança
Além de doações, voluntários encaminham migrantes para serviços públicos, posto de saúde, encontram alguém para traduzir currículo, ou o que mais for preciso. Para a voluntária Marluce Aparecida Baião Bély, trabalho é uma questão de ‘corresponsabilidade social’.
Voluntários complementam lacunas de políticas de assistência a migrantes [https://s02.video.glbimg.com/x240/14043621.jpg]
Foi em uma noite fria de inverno em Curitiba que as vidas de Marluce Aparecida Baião Bély e Yoana Pérez Gonzalez se cruzaram. Marluce atribui o encontro à intervenção divina.
Fazia poucos dias que Yoana, já nas últimas semanas de gravidez, tinha chegado a Curitiba, junto com o marido. O casal enfrentou uma longa travessia que se iniciou em Havana, capital de Cuba. De lá, traziam apenas uma mochila com algumas peças de roupas e a vontade de recomeçar em um lugar diferente, visando um futuro melhor para o filho que ainda não tinha nascido.
Os dois saíram do país caribenho com um contrato de aluguel de um apartamento no Brasil, porém, a casa estava vazia e não tinha móveis. Aos oito meses de gravidez, Yoana dormia no chão.
Foi quando o casal descobriu o contato de Marluce e encaminhou uma foto da casa sem móveis, perguntando se ela tinha como ajudá-los. Imediatamente, a voluntária da ONG Fraternidade na Unidade mobilizou uma rede de solidariedade. Poucas horas depois, o casal tinha o apartamento mobiliado, chuveiro e uma cama para dormir.
“Havia outra cubana, que também é migrante e estava aqui há mais tempo. Ela tinha o contato de Marluce e nos passou. Nós escrevemos para ela e ela nos deu toda a ajuda e atenção que estava ao seu alcance. Graças a ela temos as coisas que temos e ganhamos as coisas que doaram. Inclusive, nos indicou muitas coisas sobre os papéis, sobre trabalho…”, detalha Yoana.
“Ela mudou nossas vidas. Veja, estávamos tristes, estávamos dormindo no chão. Passamos três dias dormindo no chão”, detalha Eudy Centeno Guerra, marido de Yoana.
De baixa estatura, mas muito enérgica e com uma rede de contatos poderosa, a aposentada Marluce fala orgulhosa das vezes em que conseguiu ajudar outras famílias.
“Eu sempre acreditei no cristianismo enquanto comunidade de pessoas que se amam, que se ajudam, e que não existem necessitados enquanto a gente tiver forças para lutar, para minimizar essas necessidades. Começou assim, por um amor ao evangelho que diz: ‘tudo o que fizeres ao menor dos meus irmãos é por mim que fazeis’. Então eu, como cristã, quis colocar em prática essa palavra”, afirma Marluce.
Ela é apenas mais uma das incontáveis forças que se unem voluntariamente para complementar a assistência a migrantes quando as políticas públicas não são suficientes.
Esta reportagem recebeu apoio do programa “Early Childhood Reporting Fellowship”, do Global Center for Journalism and Trauma.
Para Marluce, além da motivação pelo evangelho cristão, há também uma responsabilidade enquanto cidadã. Ela não enxerga o trabalho que faz apenas como uma escolha, mas como um ato de “cogovernança”.
“Eu acredito em uma corresponsabilidade social. Algumas pessoas falam: ‘isso é questão de política pública, que o governo dê conta’. Eu acredito que é meu compromisso como cidadã, como agente do povo, ter essa cogovernança. Claro que isso nos faz também acionar os órgãos competentes, mas, às vezes, se o órgão competente não é acionado, ele nem sabe que aquela realidade existe. Ser essa ponte entre quem precisa e quem pode ajudar – seja alguém da sociedade civil, seja um órgão público –, eu acho que o caminho é esse. É uma divina aventura”, defende Marluce.




