Nos últimos dias, os carros costumam passar devagar pela entrada de Goianira, na GO-070. O motivo? Observar e registrar a árvore de Natal iluminada, de 3,2 metros, feita com pneus reciclados. A estrutura tem um aporte de ferro na ponta para dar acabamento e, por dentro, restos de entulho para deixá-la firme. De resto, só pneu. O local tem outras peças e é aberto para visitação gratuita. As obras são de Marcos Antônio Muniz Barreto, que se define como um artista. Há 26 anos, nas mãos dele, o pneu vira de tudo. Desde sandália até cocho para gado.
Marcos Antônio nasceu na Bahia e começou esta história transformando pneu em sandália. Aprendeu com um boliviano que chegou a Salvador, em 2003. Na época, tinha 13 anos. Aos 15, veio veio para São Miguel do Araguaia, em Goiás, procurar emprego. Não deu certo. Por isso, ele recorreu de novo ao trabalho com pneu.
“Olha a sandália de pneu, direto da Bahia. É o lixo que virou luxo”
Era assim que ele anunciava seus produtos. Vendeu bem, ouviu elogios sobre a qualidade e resistência dos sapatos, mas também teve quem estranhasse. “Tinha gente falava ‘você é doido. Eu vou comprar sandália de pneu?’ Tudo o que você for fazer, uns te animam e outros te desanimam. Você tem que ser uma pessoa com autoestima”, comenta.
Com o tempo, começou a fazer também cadeiras de pneu. No início, levava o produto no ônibus mesmo, para vender na Feira da Lua, na praça Tamandaré, em Goiânia. Depois, passou a fazer outros produtos como mesas e vasos de planta. Tudo com pneu reciclado. Material resistente, difícil de manusear. Nada que o tempo não ajude, segundo Marcos. Depois de tantos anos, ele diz que corta pneu até mesmo com arame. Normalmente, para fazer os produtos, usa equipamentos como faca, pedra de amolar e parafusadeira.
Pneu como sobrevivência
Em 2017, recebeu da prefeitura de Goianira um terreno onde hoje funciona o Projeto Lixo Que Virou Luxo. No local, a população e borracharias doam pneus que seriam descartados. A partir deles, Marcos Antônio produz vasos de planta, cercas, cocho e manilhas, por exemplo. Faz ainda peças artísticas que simulam helicópteros e automóveis. Este é o primeiro ano em que o projeto faz uma árvore de Natal.
Antes da Covid-19, Marcos Antônio tirava o sustento das vendas de seus produtos. O problema é que elas caíram nos últimos dois anos. “Você vender tudo que faz e viver disso em plena pandemia não é fácil. Aí, eu desenvolvi uma borracharia simples. Às vezes, a gente toca ela 24 horas”, explica.
Meio ambiente
Marcos se diz muito satisfeito por seu trabalho tirar da natureza um pouco de entulho e poluição. “Minha felicidade é tão grande quando fala em meio ambiente, que isso aí me completa. Eu vejo o desmatamento, o aquecimento global, tudo desandado. Eu sei que sou pequeno, quem sou eu para fazer o que eu tinha vontade de fazer no mundo? Mas vou caminhando e fazendo”, conta.
Ele não sabe exatamente quantos pneus já transformou, mas, aos 39 anos, quer passar o conhecimento para quem estiver disposto a aprender. Quer ainda ampliar o trabalho do Projeto, mas para isso diz que precisa de investimento e apoio financeiro.
Educação
Marcos conta que estudou só até a quinta série. Morava na roça e tinha que ir para o colégio montado em um burro ou de bicicleta. “Alguns dias não tinha como ir porque meus pais tinham alguma tarefa grande, como capinar uma roça, aí a gente ficava só na vontade. Hoje, vejo essa meninada tendo colégio para tudo quanto é lado, ônibus passando na porta. É bom demais”, comenta.
Queria ter finalizado os estudos, mas não conseguiu. Por outro lado, hoje vai até as escolas para ensinar como transformar pneu. Um dos colégios, por exemplo, ficou com pufes para os alunos lerem ao ar livre. “Tinha vontade de passar por todos os anos da escola, mas Deus foi me mandando uma sabedoria diferente, dentro da arte, para ajudar a natureza”, conclui.
Confira vídeos das peças feitas a partir de pneu reciclado:
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