No mês em que a legislação endureceu a pena para o crime de intolerância religiosa, Goiás já registrou uma denúncia por esse motivo. No ano passado, foram 11 e no ano anterior, 16, de acordo com a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos. Os dados consideram reclamações sobre interferência aos direitos de culto, crença e não crença. A maioria das vítimas segue religiões de matriz africana, embora existam diversas em todo o mundo. Por outro lado, grande parte dos preconceituosos são evangélicos. (confira tabela abaixo)
A jornalista Josiane Coutinho é umbandista. Ela tem um histórico de situações em que a religião se tornou motivo de preconceito velado ou direto. A mais recorrente é ser taxada de macumbeira, em tom pejorativo. O termo deriva de macumba, um instrumento de percussão de origem africana, semelhante ao reco-reco, usado em algumas manifestações religiosas. Uma conversa esclarecedora costuma ser o suficiente para que seja respeitada. O diálogo também é uma estratégia para desmistificar a crença, popularmente associada ao mal.
“A falta de conhecimento em relação às religiões de matriz africana é opcional porque as pessoas têm acesso à informação. Não escondo a minha religião. Tenho muito orgulho. Umbanda me acolheu. Ela é caridade. Para toda pessoa para quem eu tenho oportunidade de explicar, eu esclareço. Pergunto ‘você acha que eu sou uma pessoa ruim?’. Elas me respondem que não e aí eu rebato que a minha religião é isso, algo bom. Eu não perderia meu tempo fazendo mal para alguém. Pessoas ruins existem em qualquer religião. O problema são elas e não a religião”, diz.
Em nível nacional, as religiões de matriz africana são seguidas por 0,3% da população de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os estados líderes em adeptos são Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul. A baixa representatividade proporcionalmente ao total de habitantes pode ser explicada pela herança cristã, mais especificamente católica dos colonizadores portugueses. A socióloga Gabriele Andrade lembra que o povo preto chegou ao Brasil escravizado após ser sequestrado da África. O grupo era considerado desprovido de alma ou qualquer outra identidade, seja pessoal, religiosa ou linguística.
“Como forma de resistência se organizavam e se apoiavam nos terreiros para ter “pais”, “mães” e apoio para resistir aquele sistema cruel que lhe era imposto. Considero que a intolerância religiosa é uma consequência de uma sociedade racista que durante séculos demonizou espaços em que africanos e seus descendentes pudessem expressar livremente sua identidade. Entretanto, não devemos desconsiderar que nos últimos anos o ambiente da religião se tornou um espaço de disputa por poder e, em alguns casos, a propagação de ideias que criminalizar e marginalizam outras formas de demonstrar a fé tem angariado seguidores, dinheiro e poder político”, destaca.
A professora acredita que o trabalho educativo por meio de um ensino religioso que oriente as crianças sobre as outras religiões e como respeitar todos os indivíduos, capacitar as autoridades para receber as denúncias das vítimas e punir os autores de intolerância religiosa são formas de extinguir a discriminação.
Sem desculpa
O presidente Lula sancionou no início de janeiro uma lei que equipara os crimes de injúria racial e racismo. Agora, as pessoas que cometerem o chamado racismo religioso passam a ser punidas com dois a cinco anos de prisão e multa. A pena será aumentada pela metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas. Antes, a lei estabelecia pena de um a três anos de reclusão. A Constituição Federal determina como inviolável a liberdade de consciência e de crença e ainda garante o livre exercício dos cultos religiosos. A proteção aos locais de culto e as suas liturgias também estão previstos.
Registro de casos de intolerância religiosa em Goiás e Brasil:
2021 | 2022 | 2023* | ||||
Denúncias e Violações | Goiás | Brasil | Goiás | Brasil | Goiás | Brasil |
16 denúncias/
21 violações |
583 denúncias/
681 violações |
11 de núncias/
14 violações |
896 denúncias/
1.106 violações |
1 denúncia /
1 violação |
58 denúncias/
76 violações |
|
Total | 11 |
*Janeiro de 2023
Fonte: Painel Interativo da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos