Sair de casa diariamente rumo a um trabalho com carteira assinada e mais benefícios é o sonho de muita gente, certo? Depende. A remuneração já não é mais o único atrativo para os candidatos e as empresas começam entender os motivos por trás da dificuldade em preencher tantas vagas ociosas. Alguns deles são óbvios, como baixa qualificação, mas a pandemia mudou ou acelerou alterações sobre como se compreende o emprego.
Dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o desemprego no último semestre do ano passado recuou para o patamar de 11,2% contra 12,1% em relação ao período anterior em 2021. É pouco, mas um alívio para patrões na luta para contratarem. No Sistema Nacional de Emprego (Sine) de Goiânia e Aparecida de Goiânia, por exemplo, a oferta de trabalho chega à casa das centenas diariamente. Para a especialista em Recursos Humanos, Camilla Paiva, está tudo interligado porque motivação pessoal, possibilidade de ascender profissionalmente e flexibilidade estão no jogo.
“Os trabalhadores buscam oportunidades de emprego capazes de atender suas necessidades financeiras e não financeiras. Após a pandemia, as pessoas estão priorizando o que verdadeiramente importa e o que vale a pena para elas. Mais que vagas, as empresas precisam ofertar propostas de agregam valor aos trabalhadores”, explica ela ponderando que a renda média do trabalhador caiu para 9,7% em um cenário de inflação de 10,54%.
A questão realmente tem muitos fatores envolvidos. A manicure Giuza Soares diz que oportunidades surgem com frequência. A raridade é conseguir aliar salário, horário e distância. O serviço que ela presta costuma ser bastante procurado, sendo o setor de beleza um dos que menos perderam espaço desde o retorno das pessoas ao novo normal. Os anúncios de trabalho na porta dos salões de beleza provam isso.
“Aparecem vagas em bairros chiques, mas eles combinam um valor muito baixo com a gente e ainda querem horários bem específicos, flexíveis. Para mim acaba compensando mais atender só a minha clientela perto de casa, aqui no Jardim Guanabara mesmo, porque posso me organizar para buscar minhas filhas na escolinha todo dia”, afirma.
O assunto escancara as questões sociais do País e expõe um título alarmante que ajuda a entender o contexto: o Brasil foi incluído como um dos dez piores países do mundo para a classe trabalhadora pelo Índice Global de Direitos. A contratação pode até ocorrer, mas a manutenção do funcionário não, gerando o que estudiosos da área chamam de turn over, a rotatividade de funcionários que não se “fidelizaram” à empresa.
Investimento
A baixa qualificação de parte da mão de obra trabalhadora e a aposta na ideia do empreendedorismo ajudaram a fazer com que as vagas nos postos de trabalho tradicionais continuassem desocupadas. A falta de estímulo e de investimentos em educação e em tecnologia por parte dos candidatos e das empresas tende a colapsar em breve essa relação e, consequentemente, respingar na economia nacional.
Um estudo da PwC Brasil aponta que o Brasil precisa agilizar mudanças para fugir do que os pesquisadores chamaram de abismo digital. Segundo ele, funções tradicionais no mercado de trabalho estão sendo eliminadas ou substituídas em todo o mundo e novas profissões surgem, como analistas de dados e especialistas em inteligência artificial.
O levantamento aponta, no entanto, que um dos obstáculos enfrentados atualmente parece ser o mais simples e impensável de todos: a dificuldade no acesso e habilidade com a internet. Entre os entrevistados, 76% percebem que, sem o serviço, é muito difícil se candidatar a uma vaga de emprego. Para 73% quem não sabe usar a internet não consegue uma boa colocação no mercado.