A imagem de pessoas forçadas a longas jornadas de trabalho em condições insalubres e sob violência ainda é a realidade de muitos brasileiros nas zonas rural e urbana. A escravidão moderna ganha os holofotes, principalmente em regiões afastadas das grandes cidades.
Há dois meses, 92 trabalhadores foram resgatados dessa condição no estado em Rio Verde, Santa Bárbara de Goiás, Nazário e Montes Claros de Goiás após uma operação nacional de combate a esse crime, segundo a Procuradoria Geral da República (PGR).
Uma das estratégias para tentar coibir a prática é a divulgação de uma lista de empresas autuadas pelos Auditores-Fiscais do Trabalho por escravizar os funcionários. Em uma delas foram incluídas 52, sendo 7 apenas de Goiás nos municípios de Davinópolis, Vicentinópolis, Serranópolis, Rio Verde, Águas Lindas de Goiás, São Miguel do Araguaia e Joviânia. A maior parte dos novos infratores atua na área do café, construção civil, carvão vegetal e pecuária bovina.
“Ainda hoje verificamos graves violações de direitos humanos que afetam a liberdade de indivíduos e atentam contra a sua dignidade, colocando todo o mundo moderno diante de um grande desafio”, salientou o subsecretário da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), Rômulo Machado, à época da divulgação do balanço da operação.
Um projeto de lei foi aprovado em segunda votação pelos deputados estaduais para proibir pessoa jurídica que tenha sido condenada pela prática de trabalho análogo à escravidão de contratar com a administração pública estadual. O texto aguarda a sanção do governador Ronaldo Caiado. Somente em 2022, 500 trabalhadores foram resgatados em condição análoga à escravidão em todo o País pela Auditoria Fiscal do Trabalho. Do total, 84% se autodeclararam pretos ou pardos.
Diferente, mas igual
O professor do IF Goiano, Luiz Eduardo Fleury, afirma que a condição de escravo muda conforme o momento histórico, mas o ato de escravizar ocorre desde sempre na história humana. Ele destaca que, assim como no passado, a escravidão moderna mantém o perfil de vítimas: pessoas de com situação financeira mais baixa predominantemente do campo e com pouca ou nenhuma escolaridade.
“Não se trata somente de um trabalho agressivo, braçal e sem remuneração. É uma reprodução infeliz de um sistema que perdurou no Brasil por 388 anos. As origens do que chamamos de escravidão é antecessora a era cristã, em até 4 mil anos antes de Cristo, em diversas regiões do mundo, como Egito Antigo e na sociedade hebraica”, destaca.
Quase 46 milhões de pessoas no mundo estão na condição de escravas e não conseguem sair dela por ameaça, violência, coerção ou abuso de poder, de acordo com o Índice Global de Escravidão, da Fundação Walk Free, da Austrália. A maioria está ligada à indústria da pesca, drogas, exploração sexual e serviços em propriedades particulares.
Lembrar para não repetir
A Unesco chama a prática de tragédia humana e estabeleceu 23 de agosto como o Dia Internacional em Memória do Tráfico de Escravos e sua Abolição. No Brasil, o fim oficial da escravidão ocorreu em 13 de maio de 1988 como resultado de um movimento iniciado quase quatro décadas antes, a exemplo da pressão dos ingleses e de lutas internas nacionais. Estimativas apontam que aproximadamente 5 milhões de africanos foram transportados para o Brasil e vendidos como escravos.
“Argentina, Paraguai, Chile, América Central e parte da América do Norte já tinham abolido. A elite agrária escravocrata que controlava a política nacional defendiam a manutenção desse sistema. A abolição no Brasil não foi um ato de benevolência da princesa Isabel, mas foi conveniente ao um momento em que não era mais possível suportar aquele fardo por diversos motivos”, pontua Luiz Carlos.