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Famílias comem ossos e resto de carnes para enganar a fome, no RN

O desemprego acentuado com a pandemia e a queda no poder de compra em 2021 agravaram a insegurança alimentar e a fome. Neste ano, ganharam notoriedade imagens de ossos de bois sendo disputados por moradores do Rio de Janeiro e vendidos como produto em açougues em Santa Catarina. Em Fortaleza, ossos de carne de primeira e segunda eram doados em açougues.

Em reportagem ao Folha de S. Paulo, Adaliton lembra emocionado quando foi a última vez que comeu um pedaço de carne. “A última vez que comi carne já tem mais de um mês. Foi quando ajudei a tirar o couro de uma vaca”.

Os pedaços foram repartidos onde caíram. Adailton e a família ficaram com ”a mão”, uma das patas dianteiras da vaca e, junto a mulher, fez o pedaço render por 20 dias no fogão à lenha improvisado. Alimentos ali estão contados. Os R$ 170 que recebem do Bolsa Família ”não dão para nada”, afirma.

“Ao invés de deixar a vaca para urubu e cachorro, a gente tem que comer”, diz o agricultor. “É isso porque não tem outro jeito. Sem chuva não se planta o que comer e se acabam os animais. Também não existe mais passarinho para desfrutar, e a gente não tem condição de pedir no mercado ‘bota 1 kg de carne com osso’. A gente tem que pegar os bichinhos para fazer a mistura.”

No lugar onde Adailton mora, existem outras família que também passam necessidades. Eles vivem em uma região de assentamento. No local, não há Bolsa Família e muitas pessoas tem a renda vindo da agricultura, porém a escassez de chuva neste ano fez com que o cultivo não fosse o suficiente. Cestas básicas de igreja são o que ajuda a salvar a população.

Mais da metade (52%) dos municípios potiguares estão em ”seca grave”. A área com esse diagnóstico aumentou, de acordo com a Ana (Agência Nacional de Águas), e o estado mais afetado pela estiagem é o Nordeste. Em outubro foi lançado pelo governo um plano estadual de convivência com o semiárido.

Aumento na pobreza

O Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU em 2014, mas tem tendências em regredir. São mais de 1 milhão de pessoas, quase 38% da população em situação de pobreza e extrema pobreza.

“Vários municípios e comunidades tradicionais [quilombolas, indígenas] do estado estão com o mesmo problema da fome. O cenário é de privação de um direito humano essencial para a sobrevivência: o Direito Humano à Alimentação Adequada”, diz a professora do Departamento de Nutrição da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pesquisadora na área de segurança alimentar e integrante do Conselho de Segurança Alimentar do estado, Nila Pequeno.

Em um supermercado local, a crise é retratada pelo aumento da venda de salsicha, mortadela e ovos, mais baratos que a carne, e também pela crescente busca por carcaça de frango. Um funcionário que pediu para não ser identificado, contou que ”brigam” pelo ”ossinho da sopa”, que custa R$ 60 kg.

A procura por xaxado ou pelanca, a gordura da carne de primeira, também subiu. A loja oferece de graça. A maioria pede alegando ser para o cachorro, mas fica claro que são as pessoas que vão comer essas partes, diz o funcionário.