Morta na última semana, a escritora brasileira Nélida Piñon chocou muitas pessoas por ter deixado herança milionária para duas cachorrinhas de estimação. A decisão precisou de um malabarismo para não ser questionada judicialmente. É que a lei não permite a inclusão de animais ou coisas como herdeiros. A jornalista não tinha filhos ou parentes próximos.
Apaixonada pelos animais, ela optou por escolher a amiga e companheira nos últimos 25 anos, Karla Vasconcelos, como tutora da pinscher Suzy, de 13 anos, e a chihuahua Pilara, de 3 anos. Nélida atrelou ao testamento que o cuidado com os bichinhos deve se manter até a morte deles, inclusive devem permanecer morando em um dos quatro apartamentos de luxo no Rio de Janeiro. Para que o desejo fosse cumprido, a escritora proibiu a venda dos imóveis enquanto eles estiverem vivos.
“Os animais de estimação não podem ser considerados diretamente herdeiros de seus tutores, mesmo que esta tenha sido a última vontade de seus donos, expressada em testamento. O que pode ter é uma cláusula que condiciona os cuidados dos animais e que os novos cuidadores poderão cuidar dos animais. Se os apartamentos tivessem sido deixados para os animais, o testamento pode ser questionado”, explica a presidente Comissão de Direitos e Sucessões Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO), Laura Landin.
Para manter o padrão elevado de vida, como check up veterinário completo duas vezes por ano e refeições baseadas em queijo espanhol manchego, anchovas e foie gras, a tutora Karla ficou ainda com a responsabilidade de administrar os direitos autorais da extensa de Piñon. Ela escreveu diversos romances, contos, crônicas, ensaios e livros infanto-juvenis. Os trabalho tiveram tanto reconhecimento nacional e internacional que ela foi convidada a integrar a Academia Brasileira de Letras (ABL), onde foi a primeira mulher presidente.
Nélida morreu aos 85 anos, em Portugal, após complicações de uma cirurgia para desobstrução de vasos biliares. O translado do corpo está sendo realizado e a escritora deve ser sepultada no mausoléu da instituição ao lado da mãe e das cinzas do pinscher Gravetinho, que morreu de pneumonia em 2017, após 11 anos de convivência. Em seguida à morte do cãozinho, Piñon disse em entrevista ao Estadão que “ele é muito astuto, sempre me surpreende quando volto de viagem e vou encontrá-lo. Animais são muito astutos, mais até que o Ulisses de Homero.”