O Ministério Público de Goiás (MPGO) entrou com um recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra decisões colegiadas do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) relacionadas ao caso do médium João Teixeira de Faria, mais conhecido como João de Deus, em denúncias por violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável. A corte desclassificou o crime de estupro de vulnerável, alegando falta de demonstração da vulnerabilidade de uma das vítimas.
O MPGO argumenta que o TJGO foi omisso ao desclassificar o crime, não considerando a incapacidade absoluta da vítima de oferecer resistência, alegando a hipótese de estupro por abuso de poder. A promotora Yashmin Crispim Baiocchi de Paula e Toledo destaca o uso de autoridade, poder e influência política e financeira por João Teixeira para cometer crimes, gerando medo na comunidade.
“A vulnerabilidade, enquanto ‘condição relacional e situacional’, não pode ser objeto de indiscriminada simplificação pelo julgador, sob pena de que as violências perpetradas em sua prevalência sejam perpetuadas”, afirma o recurso.
No documento, Toledo aponta dados do último anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indicando que 88,2% das vítimas de violência sexual em 2021 eram mulheres. Destaca a importância de entender esses crimes considerando o gênero como fator de vulnerabilidade em uma sociedade patriarcal. A promotora ressalta ainda que estereótipos e fatores sociais contribuem para que as vítimas não reconheçam imediatamente a agressão sexual.
“Entender os crimes desta natureza desde uma perspectiva que considere o gênero como um fator de vulnerabilidade em uma sociedade patriarcalmente estruturada é imprescindível porque, como é sabido, existem inúmeros estereótipos referentes às possíveis reações de defesa das vítimas nestes casos”, destaca. Ela acrescenta que fatores sociais e neurobiológicos contribuem para que vítimas não reconheçam de imediato a experiência abusiva como uma agressão sexual.
O recurso cita entendimento consolidado no STJ, enfatizando a relevância da palavra da vítima em delitos sexuais praticados às ocultas. Também menciona o Protocolo Para Julgamento Com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça, que orienta sobre o valor probatório da palavra da vítima e traz diretrizes para julgamento de crimes contra a dignidade sexual.
“Não se trata de conferir aos relatos da vítima valor absoluto ou o caráter de prova tarifada, mas, ao contrário disso, de dar-lhe a devida importância quando há verossimilhança nos relatos, à luz do sistema de livre convencimento motivado – artigo 155 do Código de Processo Penal)”, afirma o recurso.
Penas
João já foi condenado a 489 anos e 4 meses de reclusão, somando os 17 processos que tramitaram na comarca de Abadiânia. Nas últimas decisões, o juiz Marcos Boechat Lopes Filho condenou João Teixeira em três processos a 118 anos e seis meses de prisão por estupro, violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável.
Os crimes relativos a esses processos foram praticados entre os anos de 2010 e 2017, envolvendo 18 pessoas. O juiz também fixou indenizações por danos morais que chegam a R$ 100 mil.