As férias mal chegaram, mas basta olhar o céu para ver a beleza das pipas, que também representam, quando usadas de forma ilegal, um grande perigo para pedestres, ciclistas e principalmente motociclistas. Entre 2010 e 2021, por exemplo, Goiânia e Aparecida de Goiânia registraram pelo menos oito mortes pelo uso de linhas cortantes, segundo a Guarda Civil Municipal (GCM).
Apenas neste ano, a GCM de Goiânia apreendeu 400 carreteis dessas linhas cortantes com mais de 300 km (distância entre Goiânia e Jataí), além de 250 pipas com material cortante nas rabiolas. Já a Guarda Municpal de Aparecida de Goiânia recolheu, entre junho e julho, do ano passado, 537 carreteis do material e 512 pipas.
Entre as linhas cortantes mais comuns está a chamada linha indonésia, que é uma mistura de cola cianoacrilato, conhecida como super bonder, carbeto de silício ou óxido de alumínio. Trata-se de uma “evolução da linha chilena” (mistura de madeira com quartzo moído) que ganhou, há alguns anos, o lugar do cerol (vidro moído e cola).
A comercialização deste tipo de material, inclusive, é bastante comum no meio digital. Basta realizar uma busca nas plataformas, que milhares de anúncios aparecem, escancarando o comércio ilegal das linhas cortantes nas duas maiores cidades de Goiás, e em grandes capitais brasileiras, como São Paulo. A prática, que é considerada crime, pode render multa de R$ 2 mil a R$ 4 mil, no estado.
Para mostrar a facilidade de obter esse tipo de linha, a reportagem do Diário do Estado, em poucos minutos, acessou um dos milhares de anúncios publicados nas plataformas digitais e conseguiu conversar e até “fechar um pacote” com um desses fornecedores. O criminoso, durante o dialogo, se gabou do produto dizendo que possuía a linha indonésia com três passadas (maior poder de corte) e que fazia o produto, de 500 metros, por R$ 40.
No atacado, acima de 10 unidades, o produto sai por menos, R$ 28 a unidade. Já o carretel maior, de 3 mil metros, custaria R$ 130. Porém, o ‘comerciante’ garante: “ela é mais resistente e corta mais que a chilena, mas tem que saber brincar”. (veja dialogo abaixo)
Embora o vendedor tenha pedido esse valor, outras pessoas anunciam linhas indonésia e chilena por preços mais altos e mais baixos, variando entre R$ 15 a R$ 100, a depender do poder de corte e da quantidade de produtos comprados.
Perigos do produto
Os principais usuários destes ‘brinquedos’, que podem ter várias formas e desenhos, normalmente são crianças e adolescentes. Porém, não é difícil ver um adulto se divertindo também. A questão é que o uso de cerol e linha chilena pode provocar, desde apagões na rede elétrica, até a morte por eletrocussão.
Para os que empinam pipas, os riscos de ferimentos são menores, mas para ciclistas, motociclistas e transeuntes é comum acontecerem cortes profundos na região do pescoço que podem levar à morte da pessoa atingida pela linha, segundo o GCM de Goiânia, Janilson Saldanha.
Nesta terça-feira, 21, por exemplo, um piloto de 52 anos teve parte do corpo queimado, e acabou morrendo, após a queda de um paraplano, em Aparecida de Goiânia. A vítima, identificada como Marcelo Nunes Rodrigues, fazia manobras quando próximo à Avenida das Amendoeiras, no Jardim Mont Serrat. A suspeita é que o acidente tenha sido provocado por uma linha de pipa com cerol, que teria cortado uma das asas da aeronave.
“A gente sempre orienta o pessoal tomar cuidado, principalmente o grupo de risco que são motociclistas e pedestres. Pedimos para verificarem se o local onde passam está tendo muita movimentação de pipas, além de colarem a anteninha no guidom e usarem pescocerias para evitar cortes e até a morte. Pedimos também que quando se depararem com pessoas soltando pipas com linhas cortantes, entrem em contato com a gente pelo Disque 153”, explicou.
Goiânia e Aparecida de Goiânia, inclusive, lançaram antecipadamente campanhas para combater o uso e comercialização de linhas chilena, indonésia, viúva negra e até linhas de anzol que são empregadas com a finalidade de cortar a linha dos ‘adversários’.
Medo e proteção
Para o motoentregador e representante dos entregadores por aplicativo de Goiás, Miguel Veloso, o trabalhador que precisa estar em movimento sobre uma moto para tirar o seu sustento, fica refém do medo e do perigo, sobretudo durante os meses de junho e julho, tradicionalmente conhecidos por registraram maior número de acidentes envolvendo linhas cortantes.
Para evitá-los, Miguel conta que a categoria fica atenta ao céu e às crianças que possam estar com latas de linha e pipas na mão. Ele diz que a população precisa ser conscientizada pelos órgãos municipais, e consequentemente, remanejada para locais públicos e abertos para que o esporte seja praticado sem que alguém corre risco de vida. O entregador também pede aos amantes de papagaios que parem de usar linhas cortantes, fazendo com que vidas sejam poupadas.
“Quando a gente vê a linha já está em cima. Ou seja, é um perigoso muito grande que a gente passa. Além dos acidentes corriqueiros, precisamos nós preocupar com essa linhas. Essa prática pode trazer danos irreversíveis para esses profissionais e para outros cidadãos também. Essas pessoas precisam ser educados, precisam de orientação. É preocupando, uma mãe de família ou pai pode ter a vida perdida por uma brincadeira”, concluiu.
Dialogo
Repórter: Bom dia, mano. Está tendo as linha chilena? Quanto que está?
Vendedor: Chilena não. Só indonésia. Faço R$ 40, 500 jardas (metros). A de 3 mil jardas é R$ 130.
Repórter: O trem é bom mesmo? Quantas passadas?
Vendedor: Pancada pura, mano. Três passadas.
Repórter: Só o ouro. Você entrega ou tenho que buscar? A indonésia corta mais que a chilena, né?
Vendedor: Entrego. Ela é mais resistente e corta mais. Tem que saber brincar.
Repórter: No atacado vc faz quanto? Mano, eu corro até ferro com isso.
Vendedor: Faço R$ 28, acima de 10 unidades.
Repórter: Vc tem mais imagens? Eu e uns parceiro tá querendo comprar muita de uma vez, fechar o pacote. Você vende pipa?
Vendedor: Bora fechar, uai. Minhas pipa acabou. Tenho apenas suru. Tá tendo as carretilha também.