Racismo institucional, falta de informações em processos, pouca investigação e ilegalidade em abordagens policiais foram alguns dos problemas apontados em relação a aplicação da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), por uma pesquisa realizada pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os dados divulgados nesta sexta-feira ,22, são baseados em mais de 5 mil processos de sentenciados por tráfico de drogas, em 2019.
O secretário nacional de Acesso à Justiça, do MJSP, Marivaldo Pereira, destacou a importância do governo começar a aplicar políticas públicas com base em dados científicos, para que as leis possam ser efetivadas de forma eficaz. “Sob nenhuma perspectiva, hoje, a forma como a Lei de Drogas é implementada é boa para sociedade. Ela não reduz a violência, ela não protege a saúde pública, ela não resolve absolutamente nada. A gente está tirando recurso público do contribuinte para piorar a sociedade”.
Dados revelados pela pesquisa apontam que o tratamento dado à população em geral é diferente, dependendo de quem comete o crime de tráfico de drogas, sendo mais preso, julgado e sentenciado, o jovem não branco e de baixa escolaridade. Além disso, há uma diferença entre a forma como o sistema de justiça criminal e o sistema de segurança pública atuam.
A pesquisa apontou que o perfil dos processados, em sua maioria, é de jovens abaixo de 30 anos de idade, que representam 73,6% desse universo nas justiças estaduais e 42,5% na Justiça Federal. Quando observado o nível de escolaridade, a maioria têm, no máximo, o ensino fundamental, sendo 68,4% na esfera estadual e 42,5% na Justiça Federal, e 68,7% são não brancos nos processos estaduais e 68,1% têm esse perfil racial na esfera federal.
“Um jovem negro com 50 gramas de maconha é preso por tráfico, mas um povo branco com um helicóptero com 480 quilos de pasta base de cocaína não é preso”, destaca Maria Tereza Santos, presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade.
A quantidade de drogas apreendidas com os processados também evidencia a diferença de atuação dos sistemas nas esferas de governo. Enquanto que nos processos estaduais a média apreendida é de 85 gramas de canábis e 25 gramas de cocaína, quando as forças e de segurança federal atuam, essa média sobe vertiginosamente para 14,5 quilos e 6,6 quilos, respectivamente.
Usuários
De forma geral, 49% dos réus processados afirmam ser usuário ou dependentes de drogas e 30% alegam que a droga apreendida se destinava ao uso pessoal.
Marta ainda chama a atenção para a lacuna de informações nos processos, já que a pesquisa enfrentou a ausência de informações sobre cor, raça e escolaridade dos processados, que levam os pesquisadores a entender que o resultado desse estudo ainda pode ser subestimado.
Investigação
O alto número de processos resultantes de prisões em flagrante também chama a atenção para a pouca investigação. Esse tipo de abordagem representou 76% das prisões feitas por policiais militares e 19,1% da atuação da polícia civil nos casos de tráfico de droga. Quase sempre são flagrantes motivados por “comportamento suspeito”, segundo 32,5% dos relatos policiais. Denúncias anônimas motivaram 30,9% das abordagens.
Inconstitucionalidade
Os pesquisadores apontaram ainda que nessas abordagens 49% resultam de entradas em domicílio, das quais apenas 15% com mandado judicial. A busca domiciliar sem mandado de Justiça representou cerca de 41% dos processos.
Segundo Marta Machado, esses dados apontam ilegalidade nessas abordagens, já que fere a própria Constituição Federal no seu artigo 5º, que trata da inviolabilidade da vida privada.
De acordo com os pesquisadores, esses dados fortalecem a necessidade de um aprofundamento na revisão das políticas públicas para o setor. “É premente discutirmos a garantia dos direitos fundamentais a todas pessoas que estão envolvidas nesses casos, de modo que elas sejam tratadas com equidade, independentemente da sua cor ou raça, da sua origem social, e há urgência também em discutirmos esse encarceramento em massa de pessoas jovens, em geral de cor preta, periférica, de baixa escolaridade, enquanto o narcotráfico se fortalece como crime organizado”, alerta Luseni Aquino, diretora do Ipea.