A Polícia Federal investiga se obras de arte, entre elas criações do brasileiro Romero Britto, foram utilizadas para lavar dinheiro proveniente do tráfico internacional de drogas por uma organização criminosa ligada ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e a máfias europeias. As peças foram mencionadas nas atualizações da operação Mafiusi, que, na semana passada, resultou na nova prisão do doleiro Tharek Mourad em São Paulo. Ele é apontado como elo entre a facção brasileira e a máfia italiana.
Segundo os investigadores, foram encontrados certificados de autenticidade de obras assinadas por artistas de renome internacional, mas nenhuma das peças foi apreendida durante os mandados de busca e apreensão. Parte delas foi localizada na Sulvene Factoring, empresa com sede em São Paulo que seria usada para movimentar recursos ilícitos. Mourad e William Barile Agati, considerado um operador do PCC, preso em janeiro, aparecem como sócios do negócio.
Entre as obras atribuídas a Britto, estão três peças que teriam sido adquiridas com dinheiro do tráfico. Uma delas é uma escultura em formato de bola de futebol, feita em madeira acrílica e laca. Um certificado de autenticidade datado de dezembro de 2020 e com assinatura que seria do artista foi localizado. Outro documento similar se refere a um quadro de um urso, pintado com as cores características do estilo de Britto. Uma terceira obra, com a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, foi encontrada na casa de Agati.
A Polícia Federal também identificou entre os itens uma escultura da artista Cilene Derdyk, da série “Tramas Circulares”, composta por fios de cobre, alumínio e couro. A peça, de 2022, foi encontrada junto a um certificado emitido por uma galeria de arte em janeiro de 2023 e, segundo a PF, faz parte da coleção de Agati.
Para os responsáveis pela investigação, há fortes indícios de que o grupo criminoso tem investido parte dos lucros do narcotráfico em obras de arte, utilizando uma estratégia de lavagem de dinheiro baseada na alta valorização e subjetividade dessas peças no mercado. Essa prática já é conhecida por autoridades que combatem o crime organizado.
A defesa de William Barile Agati nega todas as acusações. O advogado Eduardo Maurício afirma que seu cliente é inocente, tem bons antecedentes e atua como empresário em setores legais, no Brasil e no exterior. Ele também alegou que Agati vem sendo alvo de perseguição ilegal e abusiva. A defesa de Tharek Mourad não se manifestou.
Esta não é a primeira vez que obras de Romero Britto aparecem em investigações policiais. Em 2017, três quadros assinados pelo artista foram encontrados na casa de veraneio do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em Mangaratiba. As peças estavam avaliadas entre R$ 23,6 mil e R$ 71,1 mil e integravam a decoração do imóvel, tendo sido alvo da Polícia Federal em outra investigação.
A operação Mafiusi foi deflagrada em dezembro de 2024 em parceria com autoridades italianas, com foco em grupos criminosos transnacionais que traficavam grandes quantidades de cocaína da América do Sul para a Europa. As investigações apontam o uso do porto de Paranaguá, no Paraná, como principal ponto de saída, e o porto de Valência, na Espanha, como destino. A droga era escondida em contêineres com cargas de cerâmica, louça sanitária e madeira.
As ações são desdobramento da operação Retis, que já havia desarticulado estruturas logísticas usadas pelo narcotráfico. Estima-se que, entre 2018 e 2022, os investigados tenham movimentado cerca de R$ 2 bilhões.