Uma das bandeiras defendidas de forma mais incisivas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e por partidos e lideranças políticas de direita é o aborto. A prática tem apoio de 76% dos brasileiros nos casos onde a mulher é vítima de abuso sexual, o que coloca o Brasil dentro da média mundial. A informação faz parte da pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos divulgada nesta semana.
Quando a circunstância do aborto não é citada, o resultado é outro, e reflete a polarização observada na disputa pela presidência da República. Neste caso, 48% dos entrevistados se declaram favoráveis ao aborto em todos ou na maioria dos casos. Esse índice está abaixo da média mundial, que é de 59%.
Em ano eleitoral, o tema volta a ser pauta de discussões entre candidatos e eleitores. A tendência é que o conservadorismo continue mantendo o tema longe do Congresso Nacional. De acordo com o cientista político Pedro Pietrafesa, o assunto exige uma discussão aprofundada e menos apaixonada por parte de toda a sociedade brasileira. Atualmente, o debate sobre o aborto se limita a especialistas em áreas relacionadas à temática.
“É importante considerar o ponto de vista da saúde pública. Algumas audiências públicas foram feitas, mas não levou à proposição de iniciativa legislativas para discutir em plenário. Acho difícil essa pauta emplacar no atual e próximo Congresso. A tendência, inclusive é de institucionalizar mais restrições ao aborto”, afirma.
A reação negativa para a possibilidade de interrupção da gravidez alcança 28,8% dos entrevistados no levantamento quando se trata da maioria dos casos e 12,8% em todos os casos. Na opinião deles, a modalidade deveria ser considerada quase ou totalmente ilegal.
Na perspectiva da historiadora e antropóloga Yordanna Lara, a legalização do aborto em algumas circunstâncias sinaliza falsa moralização e falsa religiosidade por conveniência. Além disso, o elitismo, conservadorismo e o racismo são apontados por ela como obstáculos para a autorização da prática no Brasil.
“Abortos são feitos no país. Pesquisas importantes e sérias nos relatam isso, porém, sabemos quais são as mulheres que morrem ao buscarem aborto em clínicas clandestinas e medicações no mercado paralelo: as empobrecidas e principalmente negras, o que torna a legalização do aborto, uma questão de justiça social”, defende.
No ano passado, uma análise do Radar do Congresso, do site Congresso em Foco, revelou que a maioria da bancada feminina na Câmara é conservadora e aliada de Bolsonaro. 55 das 77 deputadas federais foram favoráveis a pelos menos metade dos projetos do atual governo nos dois primeiros anos do mandato do presidente da República.
Polêmica nacional
O tema voltou a ser manchete há cerca de três meses, quando uma promotora e uma juíza de Santa Catarina insistiram para que uma menina de 11 anos desistisse do aborto resultado de estupro e aguardasse o desenvolvimento do feto antes de induzir o parto. Ela estava com 28 semanas quando o procedimento foi realizado.
A mãe da garota constatou a gravidez de 22 semanas após realizar um teste de farmácia, mas o aborto foi negado em um hospital. A justificativa era de que a legislação autoriza a prática apenas até a 20ª semana, ou seja, somente até o quinto mês. No Brasil, o aborto é permitido por lei em casos de risco à saúde da mãe, anencefalia do feto ou quando a gravidez é resultado de um estupro.