Última atualização 21/06/2022 | 15:59
A polêmica em torno da manutenção da gravidez de uma menina de 10 anos após um estupro envolve uma série de equívocos jurídicos. A relutância de uma juíza e promotora de Santa Catarina para concordarem com a autorização de um aborto na vítima chamou atenção da presidente da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB Goiás) , Roberta Muniz.
Por se tratar de uma criança, a advogada acredita que a condução do caso foi inadequada. Ela afirma que, ao contrário do que as autoridades pontuaram, a legislação brasileira autoriza a interrupção da gestação após a 20ª semana exclusivamente em situações como a de estupro de vulnerável.
“Abordar a criança da forma como ocorreu na audiência é algo que nunca vi antes. Atualmente, há formas de ouvir a vítima sem criminalizá-la nem tampouco fazer com que ela ‘reviva’ o trauma pelo qual passou. A lei é clara em relação ao aborto nesses casos com o consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Ali, a criança e a mãe da criança anseiam pelo procedimento”, esclarece.
Muniz destaca que não teve acesso aos autos do processo e, por isso, emitir opiniões é difícil. No entanto, a representante da OAB Goiás destaca que é necessário analisar o risco de vida da menor gestante, que está com o corpo em formação, e o dano psicológico e emocional, principalmente por ter sido afastada do convívio com a mãe após ser encaminhada para um abrigo por determinação da magistrada.
“O que causa estranheza neste caso específico é o Ministério Público, que tem por dever a proteção dos direitos dessa criança, estar a favor da manutenção da gestação. O magistrado jamais deve induzir ou forçar a decisão da parte. Além disso, haveria outras medidas para o afastamento da menina de casa para evitar contato com o agressor”, defende. No início da tarde desta terça (21), a garota recebeu autorização judicial para voltar para a casa da família.
Posicionamento
A reportagem do Diário do Estado entrou em contato com o Ministério Público de Goiás para comentar o comportamento de um promotor nesse tipo de caso. A instituição respondeu que não atua como órgão consultivo. “Não é possível, portanto, neste questionamento, adiantar e avaliar medidas ou fazer julgamento de valor, além de ser necessário considerar a independência funcional dos membros do MP”, respondeu a assessoria de imprensa.
Sobre o caso, o Ministério Público de Santa Catarina frisa que o processo deveria correr em segredo de justiça, porém pontua que algumas falas da promotora para a gestante de 10 anos de idade seriam para esclarecê-la sobre as consequências do procedimento de interrupção da gravidez. Já o Tribunal de Justiça catarinense preferiu não se manifestar “por se tratar de um caso que tramita em segredo de justiça, mas, sobretudo para garantir a devida proteção integral à criança”.
Entenda
As imagens de uma audiência em 09 de maio deste ano foram veiculadas pelo site The Intercept Brasil. No vídeo, a juíza Joana Zimmer e a promotora Mirela Alberton tentam convencer a menor para prosseguir com a gravidez. A menina prefere o silêncio na maior parte do tempo e se manifesta estritamente de forma monossilábica. A mãe da menina, por outro lado, é clara em expor a vontade de interromper a gestação.
Em dos momentos em que conversa com a mãe da vítima, a magistrada ressalta que o bebê pode ser a alegria de uma família adotante e a mulher responde que isso é possível somente “porque não estão passando o que eu estou”. Na abordagem da promotora, o foco é a morte do feto, caso a menina insista com o processo. “Ele vai nascer chorando, não vai dar medicamento para ele morrer, vai morrer agoniando”, disse.