Após ser criticado por vários colegas, o deputado Cairo Salim (Pros) pretende retirar de pauta o projeto que proíbe atletas transexuais de participarem de competições no Estado. A informação foi repassada por fontes próximas ao parlamentar. Para alguns deputados o projeto é considerado uma “aberração”.
Segundo o deputado Alysson Lima, Cairo foi infeliz em apresentar o projeto. Já que a medida exige que o atleta participe apenas de competições próprias ao sexo biológico de nascimento.
“É totalmente inconstitucional, porque fere o princípio das liberdades individuais. Não se trata de competição de desempenho sexual, se trata de esporte”, explicou o deputado.
Segundo especialista, o esporte é uma ferramenta de inclusão social, responsável pelo desenvolvimento da na autoestima, autoconfiança e criança de laços de amizade. E que de acordo com o deputado não deve privar ninguém por sua opção sexual.
“O esporte também é política de estado e por isso tem que agregar e não expelir as pessoas por causa de sua sexualidade”, concluiu.
Para a educadora física, Jessica Pereira, o condicionamento físico de uma pessoa transexual pode lhe acarretar uma vantagem ou desvantagem em relação a seus colegas ou adversários.
“Biologicamente homens são mais fortes que as mulheres por muitos fatores e o fato dele ser trans e se assumir como mulher, não muda isso. É claro que existe exceções, mas, não é uma regra”, explica a educadora.
“Eu admiro quem tem coragem de assumir suas vontades e se torna trans. Não concordo só com o fato das competições, porque é realmente injusto, a não ser que seja uma competição cognitiva, aí já é outra estória”, disse Jessica.
Opinião de especialista
Já para a pesquisadora, historiadora e antropóloga ativista dos movimentos LGBTI e Negro, Yordanna Lara Pereira Rêgo, o esporte é responsável pela naturalização de entendimentos de corpos, sejam eles trans, negros, não trans e etc. Portanto, a exclusão de corpos transexuais do esporte, “reflete um plano genocida”.
“Estamos deparando com os mesmos mecanismo de impedimento de acesso à direitos básicos que são negados para essas pessoas na sociedade cotidianamente. Então, se trata de pensar esses projetos de lei de exclusão como projetos inclusive que dão continuidade ao plano genocida diante desta população. “, explicou a pesquisadora.
Com isso, a historiadora acredita que os papeis destes projetos reforça a ideia de um “padrão corporal”.
“Os corpos existem em uma pluralidade, as diferenças são naturais. A diferença não é o nos tira da estrutura, ela nos coloca em estrutura. Não é possível homogeneizar uma sociedade que em sua formação é amplamente diversa, tanto corpórea, quanto psicol e cultural”, ressalta.
O Brasil é o primeiro país no ranking que mais mata pessoas trans e travestis, superando os 13 países orientais e africanos onde existe pena de morte para pessoas LGBT. Em 2019, 329 jovens morreram em decorrência da homotransfobia, sendo 90% deles por homicídio e 10% por suicídio.
“Nosso momento político atual fomenta as exclusões, a violência diante desses corpos abertamente. Os corpos trans que ocupam esses espaços estão dentro do seu direito garantido pela constituição. Pensar esses direitos é pensar em um ataque aos direitos humanos, na fomentação do ódio e um estimulo a violência”, concluiu.
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“O sujeito não se sente parte da sociedade, o adoecimento dessas pessoas por conta dessa exclusão pode levá-lo ao suicídio”, destaca a professora Nívea Tereza
Por Geisa Peixoto
De acordo com a secretária geral do PSOL Goiás, Geovanna Xavier, recentemente o deputado Cairo Salim tem se posicionado ao contrario a comunidade LGBTQIA+ com opiniões ofensivas. “Despertou do nada essa determinação de perseguir a todo custo as pessoas LGBT […] Eu vejo como uma ofensiva dele para ganhar votos do setor religioso”, afirma Geovanna.
No Rio de Janeiro, o vereador Carlos Bolsonaro (sem partido) atacando a Constituição, direitos universais e o esporte, apresentou o mesmo projeto, contudo, foi considerado inconstitucional pela equipe de consultoria e assessoramento legislativo da Câmara de Vereadores e, por isso, não pode tramitar na Casa.
“Uma resolução do próprio Comitê Olímpico Internacional, através de discursão cientificas de especialistas de esporte, indica que para uma pessoa trans hoje estar nos esportes ela precisa fazer um exame hormonal durante 12 meses. Se for uma mulher trans, o exame tem que dar uma quantidade de testosterona baixa”, explica Geovanna sobre a questão hormonal.
Sobre a estrutura física, Geovanna afirma que a própria estrutura entre mulheres CIS é diferente. “No vôlei, a gente tem uma pessoa trans hoje disputando pelo Estado de São Paulo que é a Tifanny. Quando você analisa jogadoras de vôlei, nem todas tem o mesmo tipo físico. Algumas são altas outras são baixas. O próprio caso da Ttifanny já voltou varias vezes a discussão e todas as vezes não tem argumento suficiente para tirar ela”, pontua.
Para Geovanna, este projeto é uma forma de negar espaços para pessoas trans. “É importante a gente pensar que hoje 90% das mulheres trans e travestis estão na prostituição porque a gente não tem acesso ao mercado de trabalho formal. O esporte é um trabalho também e infelizmente querem negar mais um espaço para nós”, destaca Geovanna.
Perdendo o direito
De acordo com o projeto de Salim, fica expressamente proibida a atuação de pessoas trans em equipes ou times em competições, eventos e disputas de modalidades esportivas, coletivas ou individuais, que sejam do gênero oposto ao do nascimento da pessoa trans. “Esse tipo de exclusão é para buscar uma fatia do eleitorado que e intolerante […] que sempre vai buscar tirar nossos direitos”, afirma Geovanna.
Para a professora e pesquisadora sobre esporte, gênero e sexualidade da Universidade Estadual de Goiás, Nivea Tereza este tipo de proposta fere primeiramente os direitos dos sujeito como cidadãos e depois toda dignidade humana. “Essas pessoas (muitas vezes) ficam boa parte da vida escondidas por medo de se expor e quando decidem fazê-lo a reação é de mais uma vez serem invisibilizadas, colocadas como pessoas inferiores porque alguém quer lhes impor uma importância menor na sociedade”, explica a professora.
Segundo o texto, para garantir que a lei seja cumprida os organizadores de eventos esportivos teriam que assinar um documento informando que não há nenhum atleta transexual registrado em nenhuma modalidade. Além disso, atletas que se encaixam neste perfil serão excluídos do bolsa atletismo, benefício fornecido a atletas do Estado de Goiás.
Nivea afirma que esse é um modelo de política retrógada. “Os argumentos utilizados para esse silenciamento (apesar de pífios) seduzem muitos pois a lógica do extermínio do que não me representa parece ser a tônica que sustenta essa narrativa, tática inclusive muito utilizada por governos nazifascistas, para justificar a aniquilação do outro” pontua.
Caso a lei seja aprovada irá valer para campeonatos vinculados, direta ou indiretamente, ao Estado, seja por patrocínio do governo, realização direta, autorização de uso de equipamentos públicos ou apoio institucional. “O papel dos parlamentares na cultura brasileira está equivocadíssimo, a proposta deveria ser a ampliação e não exclusão de direitos das pessoas trans. Sob qual argumento se justifica tal proposta? Como cientista social nunca li um artigo acadêmico, proveniente de pesquisa séria, no qual aponte fatores perniciosos para que essas pessoas/cidadãos não possam participar de competição X ou Y”, destaca Nivea.
A pesquisadora afirma que a aprovação deste projeto pode trazer varias consequências para as pessoas que estão sendo excluídas. “O sujeito não se sentem parte da sociedade, o adoecimento dessas pessoas por conta dessa exclusão é evidente, haja visto os inúmeros suicídios de jovens e adolescentes todos os dias no Brasil, além da falta de pertença desses sujeitos, que são alijados do processo de garantia de direitos. Quando na verdade a sexualidade é somente mais um elemento que compõe a vida da pessoa”, explica.
“Esses tabus só provam a fragilidade da heteronormatividade que para se validar todos os dias precisa inferiorizar a condição daqueles que não se identificam com os padrões heteronormativos, pois existe o diverso na sexualidade humana e o respeito ao diverso faz parte do processo civilizador e democrático”, conclui.
O projeto prevê que seja proibido expedir alvarás para realização de eventos esportivos que tiverem atletas transexuais inscritos. A organização, ao solicitar a liberação, deverá preencher declaração em formulário próprio, informando não haver atletas transexuais em modalidades esportivas. O descumprimento disso poderá gerar multa de R$ 10 mil.